Maior estrela da nossa Galáxia envolta num casulo em forma de bola de râguebi

2003-12-16

A imagem da esquerda mostra as nuvens em forma de cogumelo conhecidas, como a nebulosa Homúnculo, que rodeiam a enorme estrela η Carina. À direita está a imagem obtida com a câmara NACO, que revela a estrutura da vizinhança imediata da estrela. A região central revela uma morfologia complexa de objectos luminosos. Crédito: NASA/ESA, ESO.
η Carina (leia-se Eta Carina), a estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
mais luminosa da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, é um autêntico monstro: tem 100 vezes mais massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e é 5 milhões de vezes mais luminosa. Esta estrela já entrou na fase final da sua vida e é altamente instável. De tempos a tempos sofre enormes erupções; uma das mais recentes ocorreu em 1841 e deu origem a uma bela nebulosa
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
bipolar conhecida por nebulosa Homúnculo. Durante esse episódio, e apesar de se encontrar a uma distância relativamente grande, Eta Carina foi a segunda estrela mais brilhante do céu nocturno, somente ultrapassada por Sírio
Sirius
Sírius, ou Sírio, é a estrela mais brilhante do céu nocturno. É uma estrela branca de classe espectral A1 V, a uma distância de 8,6 anos-luz, na constelação do Cão Maior. Em torno desta estrela (oficialmente designada por Sirius A) orbita uma fraca anã branca, Sirius B, com um período de 49,9 anos. Sirius A é a estrela adulta (dita da sequência principal) de classe A mais próxima de nós, sendo Siruis B igualmente a anã branca mais próxima da Terra.
.

η Carina é tão grande que, se fosse colocada no centro do nosso sistema solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, se estenderia para além da órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
. Este grande tamanho é no entanto algo arbitrário. As suas camadas exteriores estão continuamente a ser sopradas para o espaço pela pressão de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
- o impacto de fotões
fotão
O fotão, muitas vezes referido como a partícula de luz, é o quantum do campo electromagnético e é a partícula elementar da radiação electromagnética.
sobre os átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de gás. Muitas estrelas, incluindo o nosso Sol, perdem massa devido a tais ventos estelares, mas no caso de η Carina a perda de massa é enorme (cerca de 500 massas da Terra por ano), o que torna difícil definir a fronteira entre as camadas exteriores da estrela e a região de vento estelar que a rodeia.

Agora, recentes observações realizadas no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
permitiram a uma equipa internacional de astrónomos analisar um pouco mais da estrutura deste objecto. Em primeiro lugar usaram a câmara de óptica adaptativa
óptica adaptativa
A técnica de óptica adaptativa é um sistema óptico que se instala nos telescópios terrestres por forma a corrigir, em tempo real, os efeitos da turbulência atmosférica.
, NACO, montada no telescópio YEPUN, um dos quatro telescópios de 8,2 m que constituem o (Very Large Telescope
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(VLT), Do ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
, para obter uma imagem da vizinhança de η Carina com uma resolução comparável ao tamanho do sistema solar. A imagem mostra que a região central da nebulosa Homúnculo é dominada por um objecto que parece ser uma fonte de luz pontual e por varias manchas luminosas na sua vizinhança imediata.

Para obter uma visão ainda mais aguda, os astrónomos utilizaram interferometria
interferometria
A interferometria é uma técnica de observação baseada em padrões de interferência causados pela combinação de ondas electromagnéticas: quando duas ondas estão em fase, o sinal é mais forte e diz-se que a interferência é construtiva; quando as duas ondas estão exactamente fora de fase, a interferência é destrutiva e não há sinal.
. Esta técnica combina dois ou mais telescópios para alcançar uma resolução equivalente à de um telescópio tão grande quanto a separação entre os telescópio individuais. De esta forma, os astrónomos conseguiram resolver a forma da camada exterior de η Carina. Puderam obter informação espacial numa escala de 0,005 segundos de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
o que, à distancia a que se encontra η Carina, corresponde a cerca de 11 UA
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
, ou 1650 milhões de quilómetros. Posto à escala Terrestre, isto equivale a conseguir distinguir entre um ovo e uma bola de bilhar a 2000 quilómetros.

As observações, realizadas com o interferómetro Very Large Telescope Interferometer (VLTI), trouxeram uma surpresa. Indicam que o vento ao redor de η Carina é surpreendentemente alongado: um eixo é cerca 1,5 vezes maior que o outro. Além disso, mostram que o eixo maior
eixo maior
O eixo maior é o maior dos dois eixos de uma elipse.
está alinhado com a direcção em que as nuvens (muito maiores) em forma de cogumelo foram ejectadas. Aparentemente, o vento estelar é muito mais forte na direcção do eixo maior que na do eixo menor.

De acordo com as teorias comuns, as estrelas perdem a maior parte da massa à volta do seu equador. Isto acontece porque é a zona em que o vento estelar sofre o efeito da força centrífuga causada pela rotação da estrela. No entanto, se assim fosse em η Carina, o eixo de rotação seria perpendicular a ambas as nuvens em forma de cogumelo. Só que nesse caso a matéria ejectada em 1841 devia agora apresentar a forma de um anel ou toro. Para os autores deste estudo, o que se conhece de η Carina só tem sentido se o seu vento estelar estiver alongado na direcção dos pólos, o que constitui uma inversão do cenário normal em que as estrelas e planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
são achatados nos pólos devido à força centrífuga.

Esta forma exótica de η Carina já tinha sido prevista por teóricos. A hipótese principal é a de que a estrela em si é achatada nos pólos pelas razões usualmente invocadas. No entanto, como as regiões polares estão mais próximas do centro - onde se dão os processos de fusão nuclear
fusão nuclear
A fusão nuclear é o processo pelo qual as reacções nucleares entre núcleos atómicos leves formam núcleos atómicos mais pesados (até ao elemento ferro). No caso em que os núcleos pertencem a elementos com número atómico pequeno, este processo liberta grandes quantidades de energia. A energia libertada corresponde a uma perda de massa, de acordo com a famosa equação E=mc2 de Einstein. As estrelas geram a sua energia através da fusão nuclear.
- serão também mais quentes. Consequentemente, a pressão de radiação nas direcções polares será maior e as camadas exteriores acima das regiões polares serão mais sopradas que as camadas exteriores no equador. Se este modelo está correcto, a velocidade angular (ou seja, de rotação) de η Carina que se calcula é mais de 90 por cento da velocidade limite que pode ser atingida sem a estrela se desintegrar.

Presentemente, a perda de massa de η Carina é tão grande que nada sobraria da estrela em menos de 100 000 anos. Mas mais provavelmente, η Carina irá destruir-se muito antes disso, numa explosão de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
que muito possivelmente será visível durante o dia e a olho nu. Isto poderá acontecer brevemente à escala astronómica, talvez dentro de 10 a 20 mil anos.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-31-03.html