Fulgurações de raios gama, flashes de raios-X e supernovas: 3 sabores para um mesmo fenómeno?

2004-01-26

Visão artística de uma fulguração de raios gama produzida por uma estrela de massa elevada. Crédito: California Institute of Technology.
Nas últimas décadas, os astrofísicos têm procurado explicar a origem de explosões potentes, aparentemente de vários tipos diferentes, que ocorrem no Universo várias vezes por dia. Um estudo recente mostrou que os três tipos de explosões cósmicas -- fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
, flashes de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
, e supernovas de tipo Ic
supernova Tipo Ic
Uma supernova de tipo I que no seu espectro não apresenta riscas espectrais de hidrogénio, de hélio, nem de silício.
-- estão na verdade relacionados pela sua energia explosiva comum, sugerindo que na sua origem pode estar um único fenómeno -- a explosão de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada.

E. Berger, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, EUA), e seus colaboradores mostraram num artigo publicado na revista Nature que as explosões cósmicas possuem aproximadamente a mesma energia total. Contudo, esta energia não é distribuída de igual forma nos jactos lentos e jactos rápidos que ocorrem aquando das explosões. Esta conclusão foi baseada em observações realizadas no domínio do rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
com o Very Large Array
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(VLA), operado pelo NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
, e com o Owens Valley Radio Observatory
Owens Valley Radio Observatory (OVRO)
Observatório astronómico localizado na Califórnia (EUA) dedicado às observações no domínio do rádio. O observatório é composto por um interferómetro de sub-milímetro, o Millimeter-Wavelength Array (MWA) composto por 6 antenas de 10,4 m cada, um radiotelescópio de 40 m, e ainda um interferómetro solar. O observatório é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia.
(OVRO), operado pelo Caltech. Foi observada uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
, GRB 030329, que tinha sido detectada pelo satélite HETE
High Energy Transient Explorer (HETE)
Satélite da NASA, colocado em órbita a 9 de Outubro de 2000, concebido para efectuar o primeiro estudo, em múltiplos comprimentos de onda, das fulgurações de raios gama, possuindo instrumentos sensíveis aos raios ultravioleta, raios-X, e raios gama. Uma característica única deste observatório é a capacidade de localizar fulgurações de raios gama com uma precisão de 10 segundos arco e de, quase em tempo real, enviar a posição medida para uma rede de observatórios terrestres, o que permite uma rápida monitorização no rádio, infravermelho e visível.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) no dia 29 de Março de 2003.

Esta fulguração, que a uma distância de 2,6 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
é a fulguração de raios gama clássica mais próxima alguma vez detectada, permitiu aos astrónomos estudar com detalhe os jactos que emanam da estrela moribunda, localizada na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Leão. Os cientistas compreenderam que, afinal, os raios gama eram apenas uma parte da história desta fulguração: descobriram que o jacto observado possuía um núcleo central de raios gama fracos rodeado por uma componente mais lenta e de grande massa que emitia intensa radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
no domínio do rádio. Isto foi de certa forma inesperado, pois seria de esperar que uma fulguração de raios gama emitisse sobretudo raios gama, e não ondas rádio!


As fulgurações de raios gama ocorrem no Universo a um ritmo de cerca de uma por dia. Até agora, admitia-se que as explosões eram de tal forma potentes que as partículas aceleradas, emanando dos jactos, libertavam sempre enormes quantidades de radiação gama, em alguns casos durante centenas de segundos. Por outro lado, as supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
de tipo Ic, as mais numerosas no nosso Universo local, parecem ser explosões mais fracas, que produzem apenas partículas lentas, e os astrónomos julgavam que entre estes dois extremos estavam os chamados flashes de raios-X.

Analisando fulgurações anteriores, os cientistas concluiram que em todos os casos a energia da explosão é aproximadamente a mesma. Isto sugere que as explosões cósmicas, embora manifestando-se de diversas formas, são objectos substancialmente idênticos.

Nos próximos meses, a NASA irá lançar um novo satélite para detectar raios gama provenientes do espaço. Trata-se do Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
(NASA), e espera-se que seja capaz de detectar cerca de 100 fulgurações por ano.

Fonte da notícia: http://pr.caltech.edu/media/Press_Releases/PR12453.html