A morte de uma estrela em directo

2003-12-10

A nebulosa da Ampulheta numa imagem obtida pela câmara WFPC2 do Telescópio Espacial Hubble. É um exemplo espectacular das formas que as nebulosas planetárias podem assumir. Crédito: R. Sahai & J. Trauger (JPL), WFPC2, NASA.
Estrelas como o nosso Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
são consideradas estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de pouca massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
(até 10 vezes a massa solar
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
) e vivem tipicamente 10 mil milhões de anos até que o seu combustível nuclear se esgote. Começam então a morrer, ejectando lentamente quase metade da sua massa para o espaço, em ventos esféricos que se expandem para o meio interestelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
, durante uns dez a cem mil anos. Depois, entram numa fase da qual ainda pouco se sabe, e em apenas umas centenas de anos, as estrelas evoluem para uma nuvem brilhante chamada nebulosa planetária
nebulosa planetária
As nebulosas planetárias são nebulosas formadas por camadas de gás expelido por estrelas de pequena massa, que terminaram a sua fase de estrela gigante vermelha e se encontram no fim da sua vida. No centro da nebulosa planetária, a estrela transforma-se numa anã branca quente e é a radiação que emite que faz a nebulosa brilhar. As nebulosas planetárias não têm nada a ver com planetas, mas obtiveram o seu nome porque quando observadas através de um pequeno telescópio, se assemelham a um disco de um planeta.
.

Considerando que a longevidade das estrelas de pouca massa é de alguns milhares de milhões de anos, a fase de transformação em nebulosa
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
planetária representa apenas cerca de 0,01% da sua vida, sendo por isso muito difícil de se observar.

Num trabalho de investigação descrito num artigo publicado na revista científica Nature, uma equipa de astrónomos liderada por R. Sahai (Laboratório de Propulsão a Jacto, EUA) apanhou em flagrante uma estrela a morrer. É uma estrela próxima de nós, chamada V Hydræ, e foi observada com o espectrógrafo STIS do Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
). V Hydræ encontra-se nos últimos estágios da sua vida, exactamente quando o seu material começa a ser lançado para o espaço em jactos de alta velocidade.

Estas novas observações representam a primeira vez que se detectam directamente jactos em nebulosas planetárias, embora estudos anteriores já sugerissem a importância do seu papel na modelação das nebulosas planetárias.

Exactamente o que determina a forma das nebulosas planetárias é ainda um enigma. Baseando-se em resultados de um levantamento de nebulosas planetárias jovens realizado pelo Hubble, Sahai propôs, em artigos publicados anteriormente, uma nova hipótese: os jactos bipolares são o principal meio que dá forma a estes objectos. A continuação do estudo de V Hydræ vai permitir testar a sua hipótese directamente, pois esta equipa irá seguir atentamente com o Hubble a evolução dos jactos no tempo, durante pelo menos 3 anos.

Os modelos de estrelas nesta fase das suas vidas prevêem que pode ser um disco de acreção
disco de acreção
Disco composto por gás e poeira interestelares que pode circundar buracos negros, estrelas de neutrões, variáveis cataclísmicas, ou estrelas em formação.
a originar os jactos. Os dados observacionais de V Hydræ são coerentes com a existência de um disco de acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
. Só que o disco de acreção não é em torno de V Hydræ, mas sim de um objecto companheiro da estrela. Esta companheira é provavelmente outra estrela, ou mesmo um planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
gigante, de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
demasiado fraco para ser detectada. Os investigadores descobriram ainda evidências para um enorme disco denso à volta de V Hydræ, o qual poderá estar na origem da formação do disco de acreção à volta da companheira.

Outro argumento a favor do cenário de uma companheira é o facto de se observar que os jactos não são contínuos: como a companheira orbita a estrela principal periodicamente, prevê-se que o disco de acreção à sua volta produza jorros intermitentes de material, e não um fluxo constante.

Fonte da notícia: http://www.jpl.nasa.gov/releases/2003/154.cfm