A matéria escura forma grumos densos no Universo fantasma

2003-12-05

Fragmento de uma simulação computacional da formação do halo de matéria escura de uma galáxia. A simulação revela um padrão complexo de milhares de grumos de matéria escura, alguns dos quais podem não albergar matéria luminosa como estrelas e gás. Crédito: Chung-Pei Ma.
A matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
, que constitui cerca de um quarto do Universo, não é um nevoeiro cósmico uniforme, ao invés, forma grumos densos que se movem como se fossem partículas de pó iluminadas por um raio de luz.

A matéria escura tem sido um problema que persiste na astronomia desde há mais de 30 anos. Estrelas pertencentes a galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
e galáxias pertencentes a aglomerados movem-se de uma maneira que indica que há mais matéria que aquela que podemos ver. Esta matéria parece estar distribuída em halos esféricos que são provavelmente 10 vezes mais extensos que os halos de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que envolvem as galáxias. As primeiras hipóteses de que a matéria escura seria constituída por estrelas queimadas ou por neutrinos
neutrino (ν)
O neutrino é uma partícula elementar da classe dos leptões. Com carga eléctrica nula e massa quase nula, o neutrino interage muito pouco, estando sujeito apenas à força nuclear fraca e à força gravitacional. O neutrino é um leptão e tem spin semi-inteiro (fermião). Conhecem-se três tipos diferentes de neutrinos: o neutrino do electrão (νe), o neutrino do muão (νμ), e o neutrino do tau (ντ).
pesados não vingaram e hoje em dia os candidatos favoritos são partículas exóticas como os neutralinos, axiões ou outras hipotéticas partículas supersimétricas. As partículas exóticas não emitem luz, apenas interagindo com a matéria ordinária através da gravidade, e não através de ondas electromagnéticas.

Há quatro anos o quadro complicou-se ainda mais quando se concluiu que a energia escura era ainda mais prevalecente que a matéria escura. Actualmente parece que a energia escura constitui 63% do Universo, a matéria escura exótica 27%, matéria escura normal (estrelas apagadas ou ténues) 3%, e apenas 1% corresponde ao que conseguimos ver.

Baseada em modelos computacionais, a doutora Chung-Pei Ma da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), conclui, tal como outros grupos, que a matéria escura não está distribuída numa neblina uniforme envolvendo aglomerados de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
. Pelo contrário, a matéria escura forma grumos que superficialmente parecem as galáxias e aglomerados globulares que vemos no nosso Universo luminoso.

Dado que a matéria escura é 25 vezes mais abundante que a matéria visível, a matéria visível deveria aglomerar-se onde quer que a matéria escura se aglomere.
Nesse caso, deveria haver grumos de um e de outro tipo em números semelhantes. Ora, segundo Chung-Pei Ma, as simulações da evolução da matéria escura mostram que, numa dada região, existem mais grumos de matéria escura do que aqueles de matéria visível que se encontram.

A nossa galáxia, a Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, tem cerca de uma dúzia de satélites conhecidos, mas as simulações revelam milhares de satélites de matéria escura. A matéria escura na Via Láctea é um ambiente vivo e dinâmico em que milhares de pequenos satélites de grumos de matéria escura se movem como um enxame ao redor de um grande halo de matéria escura, interagindo e perturbando-se mutuamente.

Chung-Pei Ma espera que um novo modo de olhar para o movimento da matéria escura possa resolver estes problemas e conciliar a teoria com as observações. O estudo realizado por Ma mostra que o movimento da matéria escura pode ser modelado de uma maneira semelhante ao movimento Browniano que o botânico Robert Brown descreveu em 1828, e que Albert Einstein
Albert Einstein
(1879-1955). Albert Einstein nasceu em Ulm, na Alemanha. Como físico teórico, revolucionou a nossa compreensão do Universo. A sua contribuição para o avanço da Física Moderna foi única. Doutorou-se em 1905 pela Universidade de Zurique (Suíça), no mesmo ano em que interpretou o efeito fotoeléctrico, o movimento browniano, e lançou a Teoria da Relatividade Restrita. Publicou em 1916 a sua Teoria da Relatividade Geral e foi galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1921.
explicou num artigo seminal de 1905 que lhe granjeou o prémio Nobel da física em 1921.

O movimento Browniano foi inicialmente descrito como a trajectória em zig-zag que as partículas de pólen percorrem quando flutuam na água, empurradas por moléculas
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
de água que colidem com elas. O fenómeno explica igualmente o movimento do pó no ar e, segundo Ma, o movimento de grumos densos de matéria escura. O movimento Browniano dos grumos de matéria escura é governado por uma equação, a equação de Fokker-Planck, que é usada para modelar muitos processos estocásticos ou aleatórios, incluindo por exemplo as transacções financeiras na bolsa de valores.

Fonte da notícia: http://www.berkeley.edu/news/media/releases/2003/11/05_darkmatter.shtml