Primeiro estudo da evolução da polarização do pós-resplendor de uma fulguração de raios gama

2003-12-03

As imagens mostram o desvanecimento da contrapartida óptica da fulguração de raios gama GRB 030329, tal como foi observada a 3 de Abril e a 1 de Maio de 2003. As imagens foram obtidas com os instrumentos multimodo FORS1 e FORS2 montados nos telescópios de 8,2 m do VLT. Crédito: ESO, Jens Hjorth et al.
As fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
são dos fenómenos mais energéticos que se conhecem em astrofísica. Estas explosões de curta duração, detectadas pela primeira vez nos anos 60 pelos satélites militares, duram no máximo alguns minutos, mas libertam mais energia do que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
durante a sua vida inteira (mais de 10 000 milhões de anos). Tem-se verificado que as fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
ocorrem a grandes distâncias, ditas cosmológicas.

Nos últimos anos, evidências circunstanciais levaram a crer que as fulgurações de raios gama assinalam o colapso de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
muito elevada, as chamadas hipernovas. Há poucos meses, uma equipa de astrónomos utilizou o instrumento FORS num dos telescópios do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
, no Observatório Europeu do Sul
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
(ESO) no Cerro Paranal (Chile), para documentar com um detalhe sem precedente o pós-resplendor óptico da fulguração de raios gama GRB 030329. As observações estabeleceram uma ligação directa e conclusiva entre as fulgurações de raios gama cosmológicas e as explosões de estrelas de massa muito elevada.

A fulguração de raios gama GRB 030329 foi descoberta em Março de 2003 pela sonda HETE
High Energy Transient Explorer (HETE)
Satélite da NASA, colocado em órbita a 9 de Outubro de 2000, concebido para efectuar o primeiro estudo, em múltiplos comprimentos de onda, das fulgurações de raios gama, possuindo instrumentos sensíveis aos raios ultravioleta, raios-X, e raios gama. Uma característica única deste observatório é a capacidade de localizar fulgurações de raios gama com uma precisão de 10 segundos arco e de, quase em tempo real, enviar a posição medida para uma rede de observatórios terrestres, o que permite uma rápida monitorização no rádio, infravermelho e visível.
, da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
. Seguiram-se observações com o espectrógrafo UVES no telescópio KUEYEN (um dos quatro telescópios de 8,2 m que constituem o VLT), que mostraram que a fulguração ocorrera a um desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
de 0,1685. Este valor corresponde a uma distância de 2650 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, o que faz de GRB 030329 uma das fulgurações de raios gama detectadas mais próximas de nós. A proximidade de GRB 030329 resultou num pós-resplendor muito brilhante, que foi extensamente observado.

Uma equipa de astrónomos liderada por J. Greiner (Instituto Max-Planck para a Física Extraterrestre, Alemanha) decidiu aproveitar esta oportunidade única para estudar as propriedades da polarização do pós-resplendor de GRB 030329 à medida que se foi desenvolvendo depois da fulguração. O seu trabalho encontra-se descrito num artigo publicado pela revista científica Nature, na edição de 13 de Novembro.

A polarização da radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
baseia-se no facto da luz ser composta por ondas electromagnéticas que oscilam em certas direcções (planos) perpendiculares à direcção de propagação; a luz natural é normalmente constituída por uma mistura de ondas que oscilam em todas as direcções; mas em certas condições, como por exemplo depois de reflectida, a luz favorece certas orientações dos campos eléctricos e magnéticos em detrimento de outras, e então diz-se que a luz está polarizada.

A radiação emitida numa fulguração de raios gama é gerada por um campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
. Os electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
de alta energia, na presença de um campo magnético, movem-se a velocidades próximas da velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
e descrevem espirais em torno dum eixo definido pelo campo magnético local; nessas condições, emitem radiação electromagnética, chamada radiação de sincrotrão, com elevado grau de polarização.

Se a hipernova que dá origem à fulguração de raios gama tiver simetria esférica, todas as orientações das ondas electromagnéticas estarão presentes em igual quantidade, não se verificando polarização da radiação. Contudo, se o gás não for ejectado simetricamente, mas sim num jacto, uma ligeira polarização da radiação estará presente. E esta polarização da radiação terá variações no tempo, pois o ângulo de abertura do jacto aumenta com o tempo e nós vamos observando uma fracção diferente do cone de emissão.

Medições isoladas da polarização do pós-resplendor óptico de fulgurações de raios gama já têm sido realizadas; mas o presente estudo foi o primeiro a acompanhar a sua evolução com o tempo. A partir do momento que GRB 030329 foi detectada, a equipa de astrónomos iniciou um programa de observação com o instrumento FORS1 no telescópio ANTU (um dos quatro telescópios do VLT). Obtiveram 31 observações de polarimetria durante um período de 38 dias, o que permitiu medir, pela primeira vez, as variações da polarização do pós-resplendor óptico de uma fulguração de raios gama com o tempo.

Os dados mostram a presença de polarização de 0,3 a 2,5%, ao longo do período de 38 dias, com variações significativas em intensidade e orientação em escalas de tempo de horas. Este comportamento particular não é previsto por nenhuma das teorias mais aceites sobre o pós-resplendor das fulgurações de raios gama.

Infelizmente, a curva de luz do pós-resplendor desta fulguração é muito complexa e não é bem compreendida, o que não permite uma aplicação directa dos modelos de polarização. Assim, derivar a direcção do jacto e da estrutura do campo magnético não é tão fácil quanto se tinha pensado originalmente, pois o estudo da polarização do pós-resplendor permite, em princípio, detectar as estruturas espaciais e a intensidade e orientação do campo magnético na região onde a radiação é gerada. Contudo, as rápidas alterações das propriedades da polarização, mesmo durante as fases mais contínuas da curva de luz do pós-resplendor, oferecem um desafio às teorias sobre os pós-resplendores.

Possivelmente, o baixo nível de polarização indica que a intensidade do campo magnético nas direcções paralela e perpendicular não diferem mais de 10%, sugerindo que o campo está fortemente correlacionado com o material em movimento. Isto é diferente do campo de larga escala que é o que sobra da estrela que explodiu e que se pensa que produz o nível elevado de polarização dos raios gama.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-30-03.html