O telescópio espacial Integral descobre buracos negros escondidos

2003-11-11

Visão artística dos mecanismos num sistema binário que inclui um objecto compacto. A estrela companheira de massa muito elevada (à direita) ejecta grandes quantidades de gás sob a forma de vento estelar. O buraco negro compacto orbita a estrela e, devido à sua forte atracção gravitacional, puxa grande parte desse gás para si; uma fracção é encaminhada e acelerada para um disco de gás quente que liberta grandes quantidades de energia em todas as bandas espectrais, desde os raios gama até ao visível e infravermelho. O restante gás à volta do buraco negro forma uma nuvem espessa que bloqueia a maior parte da radiação, e só os raios gama são suficientemente energéticos para escapar e serem detectados pelo Integral. Crédito: ESA & Ducros.
O telescópio espacial de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
Integral (ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) detectou um objecto, chamado IGRJ16318-4848, a 29 de Janeiro de 2003. Embora os astrónomos não soubessem a que distância se encontrava este objecto, estavam certos que pertencia à nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. A análise dos dados observacionais levaram os investigadores a concluir que o novo objecto poderia ser um sistema binário formado por um objecto compacto (uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
ou um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
) e uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
companheira de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
muito elevada.

Neste tipo de sistemas, gás da estrela companheira é puxado, acelerado
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
e engolido pelo objecto compacto, libertando energia em todos os comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
, desde os raios gama até à luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
e infravermelha
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
. Já são conhecidos cerca de 300 sistemas binários deste tipo na nossa vizinhança galáctica. Mas se IGRJ16318-4848 pertence a esta classe de objectos, porque é que ainda não tinha sido descoberto a outros comprimentos de onda?

Os astrónomos que têm observado este objecto regularmente puseram a hipótese de que IGRJ16318-4848 tinha permanecido invisível devido a se encontrar envolvido por uma camada espessa de material que obscurece a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
emitida. Se fosse esse o caso, então só a radiação mais energética de IGRJ16318-4848 é que consegue escapar através do material envolvente, enquanto que a radiação menos energética é bloqueada. Assim se explicaria porque é que os telescópios espaciais sensíveis apenas a radiação menos energética não tinham detectado o objecto, enquanto que o Integral, especializado na detecção de emissões muito energéticas, o tinha descoberto.

Para testar esta hipótese, os astrónomos recorreram ao telescópio espacial XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA), que observa o céu nos raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
. Além de ser sensível a radiação de energia elevada, o XMM também é capaz de averiguar a presença de material que obscurece. De facto, o XMM detectou IGRJ16318-4848 em Fevereiro último, assim como a existência de uma camada envolvente de gás frio, com o diâmetro aproximadamente do tamanho da órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
da Terra à volta do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
.

A camada de material que envolve IGRJ16318-4848 é provavelmente formada pelo vento estelar da estrela de massa muito elevada. O gás do vento estelar é puxado pelo buraco negro (ou estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
) devido à interacção gravitacional; parte deste gás é acelerado para um disco quente à volta do buraco negro, enquanto que o restante forma uma nuvem densa à sua volta. Esta nuvem retém a maior parte da energia que é produzida no seu interior. Só os fotões
fotão
O fotão, muitas vezes referido como a partícula de luz, é o quantum do campo electromagnético e é a partícula elementar da radiação electromagnética.
mais energéticos, com energia superior a 10 kev, podem escapar. Por isso, IGRJ16318-4848 não poderia ser detectado em levantamentos do céu efectuados em energias mais baixas, nem por missões prévias de raios gama que eram muito menos sensíveis do que o Integral.

Um artigo científico sobre este trabalho, assinado por Roland Walter (Centro de Dados Científicos do Integral, Suíça) como primeiro autor, será publicado em Novembro na edição especial da revista Astronomy and Astrophysics, dedicada à missão Integral por ocasião do seu primeiro aniversário. O Integral (acrónimo do inglês INTernational Gamma Ray Astrophysics Laboratory) foi lançado por um foguetão russo Proton a 17 de Outubro de 2002 e encontra-se numa órbita de excêntrica à volta da Terra. O Integral é o primeiro observatório espacial que pode simultaneamente observar objectos em raios gama, raios-X e luz visível.

Fonte da notícia: http://www.esa.int/sci_mediacentre/release2003.html?release=47