Fábrica de antimatéria no Sol fornece pistas sobre explosões solares

2003-11-06

Protuberância solar de 23 de Julho de 2002. Os raios gama (a lilás) não foram emitidos da mesma região que os raios-X (a azul), como se previa, mas sim a 15000 km a sul. Nesta figura também se podem ver os raios-X de energias mais baixas (a vermelho) provenientes de gás aquecido a altas temperaturas. Crédito:NASA/Big Bear Solar Observatory/LMSAL.
Novas observações, realizadas pela sonda RHESSI
Reuven Ramaty High Energy Solar Spectroscopic Imager (RHESSI)
Esta missão é uma pequena missão da NASA lançada em 5 de Fevereiro de 2002 cujo objectivo principal é o de explorar os mecanismos físicos básicos de aceleração de partículas e de libertação explosiva de energia nas protuberâncias solares.
(Reuven Ramaty High Energy Solar Spectroscopic Imager) da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, mostram como uma protuberância solar se comporta como uma fábrica de antimatéria
antimatéria
Designa-se por antimatéria a matéria constituída por antipartículas, tais como antiprotões, antineutrões e positrões. A maior parte do Universo observável é formado de matéria constituída por partículas e não de antimatéria.
. Além de possibilitarem o estudo do processo de criação e destruição de antimatéria nas protuberâncias solares, as observações revelaram detalhes de como partículas subatómicas são aceleradas a velocidades muito próximas da velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
.

A antimatéria aniquila a matéria normal numa fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de energia. A tecnologia actual é apenas capaz de criar diminutas quantidades de antimatéria, para o que são necessários aceleradores de partículas com quilómetros de comprimento. No entanto, a equipa da RHESSI descobriu que uma protuberância solar ocorrida em 23 de Julho de 2002 criou cerca de meio quilograma de antimatéria, o suficiente para satisfazer as necessidades energéticas dos EUA durante dois dias! Surpreendentemente, segundo as imagens e dados da RHESSI, esta antimatéria não foi destruída no local esperado.

Ainda que rara no Universo actual, a antimatéria pode criar-se em colisões de alta velocidade entre partículas de matéria ordinária. Nessas colisões, parte da energia é transformada em antimatéria. Este mecanismo de produção de antimatéria, que é usado nos grandes aceleradores de partículas, dá-se também no Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, onde partículas aceleradas a altíssimas velocidades pelas protuberâncias colidem com partículas mais lentas da atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
solar.

De acordo com este modelo, as colisões dão-se em zonas relativamente densas da atmosfera solar porque são necessárias muitas colisões para produzir quantidades significativas de antimatéria. Assim, seria também de esperar que a antimatéria se aniquilasse nas mesmas regiões, já que existem tantas partículas de matéria ordinária com as quais pode chocar. O que parece estar a acontecer é que a própria protuberância de algum modo "baralhou" a antimatéria, produzindo-a num sítio e destruindo-a noutro. A análise dos dados indica que a antimatéria pode ter sido destruída numa região onde as altas temperaturas tornaram a densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de partículas 1000 vezes menor do que a densidade do local onde a antimatéria foi criada.

As protuberâncias também são capazes de acelerar partículas com carga eléctrica existentes na atmosfera solar (electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
e iões
ião
Átomo ou molécula que perdeu ou ganhou um ou mais electrões.
) a velocidades próximas da velocidade da luz. Anteriormente, os investigadores acreditavam que as partículas da atmosfera solar eram aceleradas à medida que eram arrastadas pelo campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
. No entanto, se fosse assim tão simples, todas as partículas seriam disparadas numa mesma direcção. As novas observações da RHESSI mostram que não é assim e que as partículas mais pesadas (os iões) têm trajectórias diferentes das mais leves (os electrões).

A pista que levou à revelação deste efeito inesperado veio dos raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
provenientes da protuberância de 23 de Julho de 2002, que não foram emitidos a partir dos locais previstos pela teoria. De acordo com as teorias sobre as protuberâncias solares, os electrões e os iões são acelerados
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
durante uma protuberância e seguem trajectórias em forma de arco, impostas por estruturas magnéticas. Os electrões chocam com as regiões mais densas da atmosfera solar, próximas das bases dos arcos, emitindo raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
quando encontram protões
protão
Partícula que, juntamente com o neutrão, constitui os núcleos atómicos. Todos os átomos têm pelo menos um protão e é o número de protões que determina o elemento químico do átomo. Os protões têm carga eléctrica positiva. Os protões são formados por três quarks (dois u e um d), são bariões (e hadrões), e o seu spin é um número semi-inteiro.
que os deflectem. De um modo semelhante, deviam produzir-se raios gama nas mesmas regiões, resultantes da colisão com iões de alta velocidade. Quando a RHESSI observou duas regiões emissoras de raios-X nas bases dos arcos, tal como se esperava, apenas detectou um difuso resplendor em raios gama, centrado a uns 15000 quilómetros a sul.

Cada nova descoberta mostra que estamos apenas a começar a entender o que se passa nestas enormes explosões.

Fonte da notícia: http://www.gsfc.nasa.gov/topstory/2003/0903rhessi.html