Detecção de azoto em cometas intriga astrónomos

2003-11-05

Em cima: excerto do espectro do cometa LINEAR obtido com o UVES, onde se situa uma banda de emissão de moléculas de CN. O painel de cima mostra o espectro bruto, tal como é observado, e o gráfico mostra o espectro extraído, revelando claramente as riscas individuais de emissão. Em baixo: pormenor do espectro. As riscas de emissão da molécula de CN (linha a azul) são comparadas com o espectro baseado em cálculos teóricos (linha a preto). No painel de cima, o espectro teórico foi calculado com base no isótopo mais comum da molécula de CN - 12C14N – e, no painel de baixo, a comparação é feita com um espectro teórico calculado com a contribuição das outras duas espécies isotópicas, 13C14N e 12C15N, nas proporções de 1/115 e 1/140, respectivamente. Claramente, o espectro observado é melhor ajustado pelo espectro teórico que tem em conta a contribuição dos diferentes isótopos. Crédito: ESO.
O estudo da composição química dos cometas
cometa
Os cometas são pequenos corpos irregulares, compostos por gelos (de água e outros) e poeiras. Os cometas têm órbitas de grande excentricidade à volta do Sol. As estruturas mais importantes dos cometas são o núcleo, a cabeleira e as caudas.
é especialmente importante porque se acredita que estes transportam espécies bem preservadas do material a partir do qual o Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
se formou, há 4600 milhões de anos. Em particular, o conhecimento das abundâncias relativas dos isótopos
isótopo
Chamam-se isótopos aos átomos cujos núcleos têm o mesmo número de protões (por isso, são o mesmo elemento químico), mas têm um número diferente de neutrões. O número atómico dos isótopos é igual, mas o número de massa é diferente.
estáveis dos elementos químicos
elemento químico
Elemento composto por um único tipo de átomos. Os elementos químicos constituem a Tabela Periódica.
leves pode fornecer pistas críticas para o conhecimento da origem e evolução do Sistema Solar.

Uma equipa de astrónomos europeus, composta por investigadores do Instituto de Astrofísica e Geofísica da Universidade de Liège (Bélgica), ESO-Chile, ESA-Holanda, Observatório de Leiden (Holanda), Observatório de Besançon (França) e Universidade de Oulu (Finlândia), estudou detalhadamente o cometa LINEAR (C/2000 WM1). Utilizando o espectrógrafo UVES no telescópio KUEYEN, um dos quatro telescópios de 8,2 m do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), obtiveram espectros de alta resolução do LINEAR. As observações decorreram em Março de 2002, quando o cometa já tinha passado o seu periélio
periélio
O periélio é o ponto da órbita de um corpo que orbita o Sol em que este se encontra mais próximo do Sol.
e se encontrava a cerca de 180 milhões de quilómetros do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e a 186 milhões de quilómetros da Terra. Os espectros cobriram a região do visível, entre 330 e 670 nm
nanómetro (nm)
O nanómetro (nm) é uma unidade de comprimento igual a um milionésimo do milímetro: 1nm = 10-6mm = 10-9m.
. Na altura das observações, o cometa tinha magnitude visual
magnitude aparente visual
Magnitude aparente visual é a magnitude aparente de um astro na banda do visível, nos comprimentos de onda compreendidos entre os 500 e 600 nanómetros. A olho nu, podemos observar estrelas até à magnitude aparente visual 6.
9.

Os espectros mostraram a emissão da molécula
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
mais comum de CN - 12C14N - assim como riscas de emissão
risca de emissão
Uma risca de emissão é uma risca brilhante num espectro de luz. Corresponde à emissão de radiação num determinado comprimento de onda devido à transição de um electrão de um nível energético mais elevado para um nível energético mais baixo de um átomo ou molécula. As riscas de emissão, tal como as de absorção, contêm informação sobre a composição química e as condições físicas do material que as produzem.
da molécula 13C14N, que contém o isótopo raro carbono-13. Foi assim possível determinar a razão isotópica 12C/13C: 115±20, muito próxima do valor estandardizado do Sistema Solar, 89.

Mas os espectros revelaram ainda uma série de riscas muito fracas, posicionadas exactamente nos comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
teóricos das riscas de emissão da molécula 12C15N. Já em 1997, o mesmo grupo de astrónomos tinha observado o cometa Hale-Bopp com o telescópio de 2,6 m NOT (Observatório Roque de los Muchachos, Ilhas Canárias) e ficara surpreendido ao identificar as riscas de 12C15N, que se acreditavam serem demasiado fracas para se observarem.

A partir destas riscas, foi possível estimar, com precisão, as razões isotópicas 14N /15N, que são muito semelhantes para os dois cometas: 140±35 para o Hale-Bopp e 140±30 para o LINEAR. Estes valores são significativamente menores do que o valor terrestre de 272, indicando que os cometas têm, comparativamente, mais azoto-15 do que a Terra. Não tendo sido possível medir ainda a abundância de azoto-15 no Sol, qual dos valores corresponde à composição do material a partir do qual o Sistema Solar se formou?

Até agora, só quatro valores cometários da razão isotópica 14N /15N foram determinadas: duas no regime de comprimentos de onda do rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
e, agora, duas utilizando espectros da região do visível. As medições em rádio dizem respeito à molécula de HCN no cometa Hale Bopp, uma molécula “mãe” da molécula CN. Ao contrário das medições no óptico, os valores obtidos no rádio, cerca de 330±75, são compatíveis com o valor terrestre de 272.

Os astrónomos pensam que os novos resultados indicam que a molécula de HCN não pode ser a única mãe da molécula de CN - esta terá de ser produzida também por uma outra molécula mãe que se desconhece, mas na qual o isótopo azoto-15 é mais abundante.

É particularmente interessante associar o facto de um excesso de azoto-15 existir em partículas de poeira interplanetária, capturadas por aviões estratosféricos na atmosfera terrestre
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
. Pensa-se que muitas destas partículas tiveram origem em cometas que passaram próximo, teoria que é apoiado por estas recentes medições.

Ainda se desconhecem quais são os portadores de azoto-15 nos grãos de poeira interplanetária. Mas, possivelmente, são macromoléculas orgânicas ou hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAHs). É assim possível que a(s) mãe(s) adicionais do CN cometário podem pertencer a este conjunto de substâncias orgânicas.

Esperemos que observações futuras ajudem a estabelecer a conexão entre o material cometário e as moléculas orgânicas pesadas.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-25-03.html