Flashes de raios-X revelam a sua distância

2003-10-21

O Hubble observou, pela primeira vez, duas galáxias donde provieram dois flashes de raios-X. As galáxias parecem muito pequenas nas imagens porque se encontram entre 6 a 11 mil milhões de anos-luz de distância. O painel inferior mostra as galáxias em detalhe e os círculos representam as posições obtidas pelo Chandra do resplendor em raios-X dos XRF. Crédito: NASA/P. van Dokkum (Yale) & J. Bloom (CfA).
Os flashes de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
, designados por XRFs (do inglês X-Ray Flash), foram descobertos por J. Heise (Organização para a Investigação Espacial, Holanda) e colaboradores, em 2001, utilizando o satélite de raios-X BeppoSAX (Agência Espacial Italiana/Agência de Programas Aero-espaciais da Holanda). Os XRFs assemelham-se a fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
(explosões muito potentes que se pensa estarem associadas à morte de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada), mas numa versão menos energética e de maior duração.

As propriedades dos XRFs levaram a especular que se tratava de fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
que ocorreram no Universo muito jovem (com idade inferior a alguns milhares de milhões de anos) e cuja luz era enfraquecida e esticada no tempo pela expansão do Universo. Agora, um estudo realizado por J. Bloom, do Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica (EUA), e os seus colaboradores do Instituto Tecnológico da Califórnia (EUA) e do Observatório Nacional de Radioastronomia (EUA), eliminou a hipótese dos XRFs pertencerem ao Universo distante.

A localização das fontes estudadas por este grupo de investigadores requereu a coordenação do Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
), do Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) e do radiotelescópio Very Large Array
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
). As observações realizadas pelo Chandra e pelo Very Large Array providenciaram a localização exacta do resplendor de raios-X e de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
de dois flashes de raios-X, designados por XRF 011030 e XRF 020427. A seguir, o Hubble identificou uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
em ambas as localizações dos resplendores. As imagens do Hubble mostram que as duas galáxias são incrivelmente azuis, característica de galáxias com elevada taxa de formação estelar. Estima-se que estas galáxias se situam a uma distância entre 6 e 11 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
.

Com esta descoberta, cai a hipótese dos XRFs se situarem a distâncias cosmológicas. Mas o facto dos XRFs virem de galáxias sugere uma origem estelar para estas explosões. Para terem a mesma origem das fulgurações de raios gama, ou seja, a explosão de estrelas de massa elevada, no caso dos XRFs a explosão tem de conter menos matéria, ou menos energia, do que uma fulguração de raios gama típica. Alternativamente, os flashes de raios-X podem ser fulgurações de raios gama observadas fora do eixo.

O Universo é particularmente rico em objectos que exibem fulgurações em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
dos raios-X. Rotineiramente, detectam-se fulgurações de raios-X de estrelas magnéticas activas, de sistemas de buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
e estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, e de buracos negros de massa elevada nos centros de galáxias activas
galáxia activa
Uma galáxia diz-se activa quando emite quantidades excepcionalmente elevadas de energia. São exemplo de galáxias activas as galáxias Seyfert, as radiogaláxias, os quasares e as galáxias com surtos de formação de estrelas (starburst galaxies).
distantes. Os flashes de raios-X distinguem-se de todos os outros fenómenos breves de raios-X pela sua duração característica, entre 10 e 100 segundos, e pelo seu espectro. Os XRFs, com uma taxa de cerca de um por dia no Universo, são relativamente raros quando comparados com outros tipos de fulgurações.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/03_releases/press_091103.html