VLT descobre algumas das galáxias mais longínquas até hoje vistas

2003-11-27

Em cima: Região observada pelo telescópio YEPUN de 8,2 m do VLT, na qual foram detectadas galáxias com desvios para o vermelho entre 4,8 e 5,8. Em baixo: Algumas das várias galáxias detectadas na imagem de cima, indicadas por um círculo. Cada um dos painéis tem cerca de 30 segundos de arco de lado, o que corresponde, à distância a que se encontram as galáxias, a cerca de 500 000 anos-luz. Crédito: European Southern Observatory (ESO).
O Universo está hoje repleto de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
energética, produzida por quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
e por estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
quentes. Esta radiação liberta os electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
dos átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de hidrogénio que constituem o meio intergaláctico difuso e que, por isso, é essencialmente composto de gás completamente ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
. No entanto, houve uma época em que tal não acontecia.

O Universo emanou de um estado inicial extremamente denso e quente, o Big Bang. Os astrónomos julgam hoje que o Big Bang ocorreu há cerca de 13,7 mil milhões de anos. Durante os primeiros minutos, enormes quantidades de protões
protão
Partícula que, juntamente com o neutrão, constitui os núcleos atómicos. Todos os átomos têm pelo menos um protão e é o número de protões que determina o elemento químico do átomo. Os protões têm carga eléctrica positiva. Os protões são formados por três quarks (dois u e um d), são bariões (e hadrões), e o seu spin é um número semi-inteiro.
, neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
e electrões foram produzidos. O Universo era tão quente que os protões e electrões flutuavam livremente: o Universo estava totalmente ionizado.

Passados cerca de 100 000 anos, o Universo tinha arrefecido substancialmente, para temperaturas da ordem de alguns milhares de graus, podendo os protões, os neutrões e os electrões combinarem-se para formarem átomos. Os cosmólogos referem-se a esta época como a época de recombinação. A radiação de fundo de microondas
microondas
A região do espectro electromagnético, no domínio do rádio, com comprimento de onda entre aproximadamente 1 mm e 30 cm (equivalente ao intervalo de frequências entre 300 GHz e 1 GHz) é a região das microondas.
que hoje observamos em todas as direcções retrata um estado de grande uniformidade no Universo, numa época remota.

Contudo, foi nessa altura que o Universo mergulhou numa fase de escuridão. Por um lado, a radiação fóssil do Big Bang fora desviada para o vermelho pela expansão cósmica, e por isso, tornou-se incapaz de continuar a ionizar o hidrogénio - pelo contrário, passou a ser absorvida pelos átomos de hidrogénio agora formados. Por outro lado, ainda não tinham sido formados os quasares e as estrelas cuja radiação seria capaz de iluminar o vasto espaço sideral. Esta época é, por isso, adequadamente designada por Idade das Trevas. As observações astronómicas não foram ainda capazes de penetrar nesta fase tão remota do nosso Universo. Tudo o que sabemos desta fase é de natureza teórica.

Os astrónomos acreditam que, passadas poucas centenas de milhões de anos, os primeiros objectos de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
já se teriam formado a partir das enormes nuvens de gás, dando origem às primeiras gerações de estrelas, e mais tarde às primeiras galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
e quasares, que produzem intensa radiação ultravioleta. Contudo, esta radiação não podia viajar muito longe, pois era rapidamente absorvida pelos átomos de hidrogénio que, no processo, se ionizavam.

Assim, o meio intergaláctico voltou a ficar ionizado progressivamente, em torno das fontes ionizantes. A partir de uma certa altura, o Universo tornou-se completamente transparente, marcando o início de uma fase de renascimento cósmico e o fim da Idade das Trevas. Os astrónomos designam esta fase por época de re-ionização.

Matthew Lehnert, do Insituto Max-Planck de Estudos Extraterrestres (Garching, Alemanha), e Malcolm Bremer, da Universidade de Bristol (Reino Unido), usaram uma técnica especial, baseada na mudança das cores observadas de cada galáxia distante provocada pela absorção
absorção de radiação
A absorção de radiação é um decréscimo da intensidade da radiação devido à energia dispendida na excitação ou ionização de átomos e moléculas do meio que atravessa.
do meio intergaláctico interveniente. Para tal, usaram o instrumento multi-modo FORS2 montado no telescópio YEPUN, um dos telescópios de 8,20 m do Very Large Telescope
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
, no Observatório Europeu do Sul
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
(Cerro Paranal, Chile), para obter imagens profundas de uma pequena região do céu (com cerca de 5% da área da Lua Cheia
Lua Cheia
Lua Cheia é a fase da Lua quando esta se encontra em oposição relativamente ao Sol; quando observada a partir da Terra, a Lua exibe toda a sua superfície iluminada.
).

Estas imagens, complementadas por espectros obtidos também pelo FORS2, indicaram que cerca de 20 galáxias se encontram a distâncias correspondentes a desvios para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
muito acentuados, entre z=4,8 e z=5,8.

Os espectros revelam ainda que estas galáxias, com idades provavelmente inferiores a 100 milhões de anos, formam estrelas. Mas o número e o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
destas galáxias sugere que galáxias muito luminosas, com desvios para o vermelho semelhantes a estes, são menos numerosas e menos luminosas do que galáxias comparáveis a distâncias mais próximas de nós, ou seja, num passado mais recente.

Dado que a luz ultravioleta combinada das galáxias agora descobertas não é suficiente para ionizar completamente o gás circundante, os astrónomos são levados a concluir que, na mesma região estudada, deve haver muitas mais galáxias pequenas e pouco luminosas, demasiado fracas para serem detectadas. Deverão ser estas galáxias ainda por descobrir as verdadeiras responsáveis pelos fotões
fotão
O fotão, muitas vezes referido como a partícula de luz, é o quantum do campo electromagnético e é a partícula elementar da radiação electromagnética.
energéticos necessários à ionização do hidrogénio no Universo jovem.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-24-03.html