Novo mapa da Via Láctea revela que a nossa galáxia é canibal!

2003-11-10

Em cima: Uma visão de todo o céu no infravermelho próximo obtida pelo projecto 2MASS. Podem ver-se as Nuvens de Magalhães, abaixo do plano galáctico. Em baixo: Distribuição de estrelas na galáxia anã de Sagitário (a vermelho). Os detritos estendem-se em torno da Via Láctea (a azul) a partir do núcleo da galáxia de Sagitário, descendo através do plano da nossa galáxia na vizinhança do Sol (a amarelo). Esta imagem é baseada no modelo que melhor se ajusta às observações das estrelas gigantes de classe M com o 2MASS. Crédito: John Carpenter and Robert Hurt/2MASS Project, & David Law/University of Virginia.
A partir de dados colhidos com o Two-Micron All Sky Survey (2MASS), um levantamento de todo o céu no infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
liderado pela Universidade de Massachussetts (EUA) e pelo Infrared Processing and Analysis Center (IPAC), do Instituo de Tecnologia da Califórnia (EUA), os astrónomos estão a conseguir dar resposta a questões que muito têm ocupado os cientistas nas últimas décadas, e em particular a conseguir provar que a Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
está a consumir uma das nossas galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
vizinhas, num verdadeiro acto de canibalismo galáctico. A galáxia anã do Sagitário, como é conhecida uma das nossas galáxias vizinhas, possui cerca de 10 mil vezes menos massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
do que a Via Láctea. Como tal, o efeito gravitacional da nossa galáxia sobre este pequena galáxia anã é muito significativo, dada a sua proximidade.

Contudo, esta pequena galáxia tem escapado ao olhar dos astrónomos, visto não ser perceptível no domínio do óptico, devido à grande confusão de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
e nuvens de poeira interestelar
poeira interestelar
A poeira interestelar é constituído por minúsculas partículas sólidas, com diâmetros da ordem dos mícrones, existentes no meio interestelar.
existentes na sua direcção (precisamente a direcção da região central da nossa galáxia!). Mas agora, graças às observações no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
, foi possível detectar estrelas gigantes
estrela gigante
Uma estrela gigante é uma estrela que terminou o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo e, por isso, arrefeceu e expandiu-se. As estrelas gigantes são o estado evoluído das estrelas anãs. Terminada a fusão de hidrogénio em hélio no núcleo, pode ocorrer um dos seguintes processos, ou os dois: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo, ou a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal. Exemplo de estrelas gigantes próximas de nós: Aldebarã, Arturus e Capela.
de classe M, um tipo de estrelas raro na Via Láctea mas abundante na galáxia do Sagitário. No passado, e desde a descoberta do núcleo desta galáxia anã em 1994 por astrónomos britânicos, era possível estudar apenas algumas regiões dispersas desta galáxia, e não toda a sua extensão.

O mapa agora obtido com o 2MASS é o primeiro a fornecer uma visão detalhada e completa da interacção da nossa galáxia com a galáxia do Sagitário. As estrelas e aglomerados da periferia da nossa galáxia deverão ter sido arrancados à galáxia anã, à medida que as forças gravitacionais da Via Láctea destroçaram a companheira (ver imagem). Isto não só mostra claramente que a nossa galáxia cresce por aglutinação de pequenas galáxias vizinhas, como vem confirmar que o processo de formação das galáxias, usualmente visto como um acontecimento ocorrido num passado remoto, não é um acontecimento, mas antes um processo contínuo.

Este novo mapa 3D, cuja animação pode ser vista no endereço abaixo indicado, permite apreciar o movimento da galáxia anã de Sagitário em torno da Via Láctea nos últimos 2 mil milhões de anos, e sugere que a galáxia do Sagitário atingiu uma fase crítica nesta dança de morte: depois de orbitar a Via Láctea, continuamente sujeita a forças de maré, a pequena galáxia parece não poder manter-se unida gravitacionalmente como um todo por muito mais tempo. Devemos estar por isso a observar a galáxia anã no final da sua vida, enquanto galáxia ainda intacta, antes de ser desintegrada por completo.

Esta descoberta ajudará os astrónomos a medir a massa total da Via Láctea e da galáxia do Sagitário, e a determinar a quantidade e distribuição de matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
invisível nestas duas galáxias. A órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
dos destroços da galáxia anã em torno da Via Láctea sugere que a distribuição de matéria escura na Via Láctea é esférica, o que é algo inesperado. Tal significa que ou é a Via Láctea que é uma galáxia de tipo pouco usual, ou a matéria escura tem mais que se lhe diga, que os modelos convencionais não contemplam.

Os resultados desta pesquisa serão publicados na edição de 20 de Dezembro da revista da especialidade The Astrophysical Journal. Este estudo baseia-se no primeiro mapeamento a conseguir cobrir toda a extensão da galáxia do Sagitário, e mostra em grande detalhe como os detritos desta galáxia se distribuem em torno da Via Láctea.

Fonte da notícia: http://www.astro.virginia.edu/~mfs4n/sgr/