Hubble detecta os menores objectos alguma vez descobertos para além de Neptuno

2003-10-13

Duas imagens obtidas pelo Hubble com 12 horas de diferença foram combinadas para produzirem esta imagem de um objecto da Cintura de Kuiper a mover-se no céu. Os três objectos agora descobertos pelo Hubble são até 100 vezes menos brilhantes do que este objecto. Na verdade, nem são detectáveis pelo olho humano nas imagens do Hubble, necessitando de análise computacional para serem descobertos. Crédito: NASA, G. Bernstein & D. Trilling (University of Pennsylvania).
O Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) descobriu três dos mais pequenos objectos alguma vez detectados para além da órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
. Cada um destes objectos é um pedaço de gelo e rocha que orbita o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
a uma distância maior do que Plutão
Plutão
Plutão é, na maior parte do tempo, o nono e último planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas devido à sua órbita excêntrica, durante algum tempo aproxima-se mais do Sol do que Neptuno. É um planeta singular em muitos aspectos: é o mais pequeno (cerca de 1/500 o diâmetro da Terra), tem uma composição muito rica em gelos, possui a órbita mais excêntrica e inclinada em relação à eclíptica, e tem, tal como Úrano, o seu eixo de rotação muito inclinado (122º) em relação à eclíptica.
ou Neptuno, numa região onde objectos deste tipo residem desde a formação do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, há 4,5 mil milhões de anos. Esta região, com a forma de anel, chama-se Cintura de Kuiper
Cintura de Kuiper
A Cintura de Kuiper é uma região em forma de disco, localizada depois de Neptuno, entre 30 e 50 UA do Sol. É constituída por muitos pequenos corpos gelados, restos da formação do Sistema Solar, e é a fonte dos cometas de curto-período. O primeiro objecto da Cintura de Kuiper, 1992QB1, com 240 km de diâmetro, só foi descoberto em 1992, mas desde então já se conhecem centenas de objectos da Cintura de Kuiper (KBO, do inglês Kuiper Belt Object). Há astrónomos que consideram Plutão, e a sua lua Caronte, objectos da Cintura de Kuiper.
e alberga os restos dos blocos constituintes do Sistema Solar primitivo: os planetesimais.

A grande surpresa nesta pesquisa realizada por Gary Bernstein (Universidade da Pensilvânia, EUA) e os seus colaboradores foi o pequeno número de objectos da Cintura de Kuiper descobertos. Tendo em conta a capacidade de resolução do Hubble, os investigadores esperavam encontrar pelo menos 60 membros da Cintura de Kuiper com diâmetros tão pequenos quanto 15 km; mas só três foram descobertos.

Talvez seja um sinal de que os planetesimais de menores dimensões foram desfeitos em poeira ao colidirem uns com os outros nos últimos mil milhões de anos. Contudo, a descoberta dum número menor de objectos da Cintura de Kuiper do que se previa torna difícil a explicação do número elevado de cometas
cometa
Os cometas são pequenos corpos irregulares, compostos por gelos (de água e outros) e poeiras. Os cometas têm órbitas de grande excentricidade à volta do Sol. As estruturas mais importantes dos cometas são o núcleo, a cabeleira e as caudas.
que se observam a partir da Terra, pois pensa-se que muitos dos cometas têm a sua origem na Cintura de Kuiper.

A equipa de Bernstein utilizou o Hubble para procurar planetesimais que são muito menores e menos brilhantes do que os que se podem observar com telescópios na Terra. Durante 15 dias, a câmara Advanced Camera for Surveys obteve imagens duma região na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
da Virgem; seguiram-se seis meses de trabalho computacional para procurar pontos pouco brilhantes que se moviam nas imagens obtidas pelo Hubble. A busca apanhou três objectos, com diâmetros entre 25 e 45 km: 2003 BF91, 2003 BG91 e 2003 BH91. São os menores objectos alguma vez detectados para além de Neptuno. Nas suas actuais localizações, estes corpos constituídos por rocha e gelo são mil milhões de vezes menos brilhantes (magnitude visual
magnitude aparente visual
Magnitude aparente visual é a magnitude aparente de um astro na banda do visível, nos comprimentos de onda compreendidos entre os 500 e 600 nanómetros. A olho nu, podemos observar estrelas até à magnitude aparente visual 6.
29) do que o astro menos brilhante visível a olho nu no céu nocturno!

O estudo da Cintura de Kuiper é especialmente importante porque oferece uma janela para a história inicial do nosso Sistema Solar. Os planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
formaram-se há mais de quatro mil milhões de anos a partir duma nuvem de gás e poeira que envolvia o Sol recém-formado. Pedaços microscópicos de gelo e poeira juntaram-se para formarem planetesimais, que cresceram progressivamente, começando com as dimensões de pequenos grúmulos, e atingindo o tamanho de cidades, ou mesmo, em alguns casos, de continentes. Os planetas e as luas do nosso Sistema Solar resultaram da colisão entre planetesimais. Na maior parte do nosso Sistema Solar, os planetesimais foram, ou absorvidos pelos planetas, ou ejectados para o espaço interestelar, perdendo-se o rasto dos tempos iniciais do Sistema Solar.

Por volta de 1950, G. Kuiper
Gerard Kuiper (1905-1973)
Astrónomo americano, nascido na Holanda, G. Kuiper é considerado um dos pais da Ciência Planetária moderna pelo seu estudo aprofundado do Sistema Solar. Desenvolveu novas técnicas de observação, estudou pormenorizadamente a superfície da Lua, descobriu Miranda (satélite de Neptuno), Nereida (satélite de Úrano), e a atmosfera de Titã. Em 1951, sugeriu a existência de uma cintura de corpos gelados depois de Neptuno - a chamada Cintura de Kuiper.
e K. Edgeworth propuseram que na região além de Neptuno não havia planetas capazes de ejectar os planetesimais que restavam e, por isso, deveria existir uma zona repleta de pequenos corpos de gelo. Apesar do enorme esforço dispendido durante anos, só em 1992 se encontrou o primeiro objecto pertencente a essa zona, hoje chamada de Cintura de Kuiper. Desde então, já mais de 1000 membros da Cintura de Kuiper foram identificados a partir de telescópios na Terra.

Os astrónomos aproveitam o estudo da Cintura de Kuiper para aprenderem sobre a história do Sistema Solar, tal como os paleontólogos utilizam os fósseis para estudar a Vida no seu início. Cada evento que afectou o Sistema Solar exterior, como por exemplo perturbações gravitacionais causadas por aproximações de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, marcou as propriedades dos membros da Cintura de Kuiper que os astrónomos estudam hoje.

Se o Telescópio Espacial Hubble pudesse procurar todo o céu, encontraria talvez cerca de meio milhão de planetesimais. Se os juntássemos todos num único planeta, este seria apenas poucas vezes maior do que Plutão. As observações do Hubble, juntamente com os últimos levantamentos realizados por telescópios na Terra, reforçam a ideia de que Plutão e a sua lua Caronte são apenas membros, de grandes dimensões, da Cintura de Kuiper. A razão pela qual os planetesimais de Kuiper não formaram um planeta maior e porque é que existem menos planetesimais do que se esperava são questões que terão de ser respondidas em estudos futuros sobre a Cintura de Kuiper.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/archive/2003/25/text