Indícios de um buraco negro em rotação

2003-10-09

Visão artística da matéria ao redor de buracos negros com e sem rotação. Abaixo pode ver-se o efeito da rotação do buraco negro na distribuição da energia de raios-X. Crédito: Ilustração: NASA/CXC/SAO/M. Weiss/J. Miller et al.
Uma equipa de astrónomos, baseando-se em dados obtidos com os observatórios espaciais de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) e XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), pode ter encontrado indícios da rotação de um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
. Os buracos negros vêm em pelo menos dois tamanhos diferentes. Os buracos negros estelares, com uma massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
entre 5 e 20 vezes maior que a do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e, do outro lado da escala de tamanhos, os buracos negros galácticos com massas milhões ou milhares de milhões de vezes a do Sol. A Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
contém um buraco negro de massa muito elevada no seu centro, bem como um certo número de buracos negros estelares espalhados pela Galáxia.

As torrentes de gás em queda e os bizarros efeitos gravitacionais perto de buracos negros estelares são semelhantes aos observados ao redor dos buracos negros galácticos. Os buracos negros estelares são, com efeito, miniaturas dos seus primos muito maiores. Porque os buracos negros estelares são mais pequenos, tudo acontece cerca de um milhão de vezes mais depressa, pelo que podem ser usados como bancos de ensaio para as teorias de como os buracos negros em rotação afectam o espaço e a matéria à sua volta.

Os raios-X de um buraco negro estelar são produzidos quando o gás de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
companheira próxima é aquecido a dezenas de milhões de graus à medida que cai em espiral para o buraco negro. Os átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de ferro presentes neste gás produzem sinais de raios-X característicos que podem ser usados para estudar as órbitas
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de partículas ao redor do buraco negro. Um exemplo é o modo como a gravidade do buraco negro desvia as frequências
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
dos raios-X para energias mais baixas. Segundo Jon Miller, investigador do Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica (EUA), a precisão dos novos dados ajuda a refutar explicações alternativas que não exigem efeitos gravitacionais tão extremos, e proporcionam a melhor vista até ao momento da geometria do espaço-tempo
espaço-tempo
O espaço-tempo é um conceito único introduzido por Albert Einstein no âmbito da Teoria da Relatividade Geral, que reconhece a união do espaço e do tempo.
à volta de um buraco negro estelar criado pela morte de uma estrela de grande massa.

A órbita de uma partícula perto de um buraco negro depende da curvatura do espaço à volta do buraco negro que, por sua vez, também depende de quão rápido gira o buraco negro. Um buraco negro em rotação arrasta o espaço atrás de si, permitindo que os átomos tenham órbitas mais próximas do buraco negro do que no caso de buracos negros que não giram. Os dados de Cygnus X-1
Cisne X-1
O Cisne X-1 é uma forte fonte de raios-X na direcção do Cisne e é o primeiro candidato plausível para um buraco negro estelar. Esta fonte de raios-X, não observável em comprimentos de onda ópticos, faz parte de um sistema binário com um período de 5,6 dias, à distância apoximada de 8000 anos-luz. A companheira, HD 226868, é uma estrela azul supergigante de magnitude visual 9 e calcula-se que tenha uma massa entre 6 e 15 massas solares, o que indica que deve ser um buraco negro.
, o primeiro buraco negro estelar descoberto, obtidos com o telescópio Chandra mostram que os efeitos da gravidade sobre o sinal dos átomos de ferro só se podem dever a efeitos relativistas, e que existem átomos até uns 160 km do buraco negro. Não existem indícios de que Cygnus X-1 seja um buraco negro em rotação.

Os dados do XMM-Newton para o buraco negro XTE J1650-500 mostram uma distribuição semelhante dos raios-X provenientes dos átomos de ferro, com uma importante excepção. Observam-se mais raios-X de baixa energia, uma indicação de que os raios-X provêm de uma zona mais profunda do poço de potencial em torno do buraco negro, a apenas 30 km do horizonte de acontecimentos! O buraco negro tem de estar a girar muito rapidamente.

Observações realizadas com o Chandra de um terceiro buraco negro estelar, GX 339-4, revelaram que também este se encontra em rotação rápida, e que nuvens de gás morno aparentam estar a afastar-se do buraco negro a velocidades de uns 480 mil quilómetros por hora. Fluxos com estas características também têm sido observados nas vizinhanças de buracos negros de massa extremamente elevada.

Também observações anteriores de buracos negros de grande massa efectuadas pelo satélite Japonês ASCA, pelo XMM-Newton e pelo Chandra tinham fornecido indicações de que poderiam estar em rotação rápida. Os resultados recentes apresentados por Miller indicam que a peculiar geometria do espaço em torno de buracos negros estelares e galácticos em rotação é notavelmente semelhante em muitos aspectos. Poderosos jactos de partículas de alta energia têm sido detectados em torno de ambos os tipos de buraco negro.

Porque giram alguns buracos negro estelares e outros não? Uma possibilidade é a de que a rotação existe desde o seu nascimento, quando a estrela de grande massa colapsa. Outra possibilidade é a de que a taxa de rotação depende de há quanto tempo o buraco negro está a devorar matéria proveniente da sua estrela companheira, um processo que faz o buraco negro rodar mais depressa. Buracos negros com uma rotação mais rápida, como XTE J1650-500 e GX 339-4, possuem uma companheira de pequena massa. Estas estrelas, de vida relativamente longa, têm estado a alimentar o buraco negro durante mais tempo, permitindo que este gire mais rapidamente. Cygnus X-1, com a sua companheira de vida curta, poderá não ter tempo para atingir uma tão elevada taxa de rotação.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/03_releases/press_091703.html