Uma estrela começou a jogar às escondidas!

2003-10-03

KH 15D: a estrela que joga às escondidas diminui drasticamente o seu brilho quando sofre um dos seu eclipses periódicos. Crédito: P. Garnavich, Universidade de Notre Dame.
No ano passado, astrónomos da Wesleyan University (EUA) anunciaram a descoberta de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, conhecida como KH 15D, que é eclipsada por uns longos 20 dias, a cada 48 dias, de um modo regular. A equipa de astrónomos avançou com a hipótese de que os eclipses
eclipse
Um eclipse é uma ocultação total ou parcial de um corpo celeste, quando outro corpo passa entre este e o observador.
seriam provocados por pedaços de material pertencente ao disco protoplanetário de rodeia a estrela.

Motivados por esta descoberta, Joshua Winn, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (EUA), e seus colaboradores decidiram examinar o comportamento de KH 15D no passado usando as fotografias do céu tiradas durante a primeira metade do século 20 guardadas nos arquivos de Harvard. Surpreendentemente, descobriram que esta estrela que agora se esconde durante 20 de cada 48 dias não o fazia no passado! Os eclipses quase totais que hoje se observam não tinham lugar há algumas décadas atrás, o que é um intervalo de tempo extraordinariamente pequeno para acontecimentos à escala astronómica.

São muito raros os casos em que os astrónomos podem ver mudanças significativas numa estrela durante o tempo de uma vida humana. Se estes eclipses são causados por material no disco protoplanetário, tal como se suspeita, isso poderia proporcionar uma importante oportunidade para estudar a formação de planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
em escalas de tempo surpreendentemente pequenas.

Para estudar a história dos eclipses de KH 15D, Winn e os seus colegas analisaram mais de 60 placas fotográficas de vidro que continham imagens da região do espaço apropriada. Todas as placas foram obtidas entre 1913 e 1955, muito tempo antes da invenção das modernas câmaras de CCD e dos meios de armazenamento digitais. A impressionante colecção de Harvard contém mais de meio milhão de placas obtidas durante um século, entre os anos 1880 e 1989. Dispor de um arquivo com estas características é como ter uma máquina do tempo: quando se faz uma descoberta excitante como a de KH 15D, pode ver-se como era 100 anos antes. A equipa de investigadores examinou as placas em busca de indícios da variação no tempo do brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
de KH 15D. Especificamente, procuraram placas em que se pudessem ver estrelas com um brilho semelhante a KH 15D mas não a estrela em questão, significando que teria sido eclipsada.

A presença de uma estrela mais brilhante próxima, combinada com o fraco brilho de KH 15D fez das medidas todo um desafio. Ainda assim, os astrónomos foram capazes de identificar cerca de 40 placas nas quais se podia medir KH 15D com uma exactidão suficiente para detectar um eclipse profundo. Se os eclipses tivessem sido no passado tal como são hoje, então cerca de 16 placas (40 % do total) teriam mostrado uma estrela eclipsada muito fraca. Contudo, os astrónomos verificaram que nenhuma das placas mostrava um eclipse!

Situada a uns 2400 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Unicórnio, a estrela KH 15D é muito semelhante ao Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, à excepção de que tem uma idade de apenas alguns milhares de anos enquanto que o Sol tem uns 4,6 mil milhões de anos. As teorias de formação estelar prevêem que KH 15D possa ainda estar rodeada por um disco de poeira e gás que sobrou da sua formação. Esse disco, chamado disco protoplanetário, é uma possível explicação para os eclipses.

É muito difícil explicar um eclipse de 3 semanas, causado por um planeta ou estrela companheira, devido a que a face da estrela está totalmente escondida da nossa vista durante quase metade do tempo (a estrela não se observa durante 20 dias, num total de 48). A causa mais plausível é a presença de um manto de material do disco que passa à frente da estrela, bloqueando a maior parte da luz emitida.

Outra possibilidade é a de que o manto seja em realidade uma "ruga" no disco protoplanetário, recentemente distorcido pela influência de um protoplaneta. Um planeta semelhante a Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
numa órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de raio igual a 0,2 unidades astronómicas
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
poderia originar uma tal ruga. Mais ainda, essa ruga evoluiria numa escala temporal de uns 10 a 100 anos. Isto faz das interacções protoplaneta/disco uma explicação atraente para a existência e evolução dos eclipses de KH 15D.

Fonte da notícia: http://cfa-www.harvard.edu/press/pr0319.html