VLT observa anel de luz em torno de uma estrela em formação

2003-09-29

Estrela em formação no glóbulo DC303.8-14.2. As duas imagens de baixo mostram, respectivamente, a região que se encontra dentro das caixas indicadas a vermelho: na imagem de cima, obtida do DSS, podemos ver o pequeno glóbulo. A imagem do meio mostra a região central envolta num anel de radiação infravermelha difusa. A imagem de baixo mostra a região mais central ainda, na qual se distinguem nódulos de radiação típicos de um jacto. Crédito: DSS & ESO.
DC303.8-14.2 é uma pequena nuvem molecular
nuvem molecular
As nuvens moleculares são nebulosas constituídas predominantemente por hidrogénio molecular.
densa de gás e poeira interestelares
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Camaleão, no céu austral. Este tipo de pequena nuvem na nossa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
é designado por “glóbulo”. Tal como muitos outros glóbulos, DC303.8-14.2 possui actividade de formação de estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, isto é, no seu interior está a nascer uma estrela. A primeira indicação de que este processo está de facto a decorrer foi fornecida por observações realizadas, nos domínios do infravermelho intermédio
infravermelho intermédio
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 5 e 40 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 92 e 740 graus Kelvin.
e infravermelho longínquo
infravermelho longínquo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 40 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 10 e 140 graus Kelvin.
, pelo satélite InfraRed Astronomical Satellite
InfraRed Astronomical Satellite (IRAS)
O IRAS foi o primeiro satélite astronómico de infravermelhos colocado em órbita, em 1984, pela NASA. Este satélite mapeou cerca de 96% de todo o céu em 4 bandas (ou filtros) centradas nos comprimentos de onda de 12, 25, 60 e 100 mícrones.
 (IRAS), da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
.

Observações posteriores, realizadas com o radiotelescópio Swedish ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
Submillimeter Telescope (SEST) situado em La Silla (ESO, Chile), mostraram que o glóbulo parece estar em pleno processo de colapso gravitacional
colapso gravitacional
Processo pelo qual uma estrela ou outro objecto celeste implode por acção do seu prório campo gravítico, resultando num objecto que é muito menor e muito mais denso do que o objecto original. O colapso gravitacional é o processo pelo qual se formam estrelas e aglomerados de estrelas, a partir de nuvens interestelares de gás e poeira, galáxias, ou ainda buracos negros.
, cujo resultado final deverá ser uma estrela recém-formada. Observações adicionais da emissão da molécula
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
de dióxido de carbono (CO2), com este mesmo telescópio, revelaram a existência de material a ser ejectado pela estrela em formação.

Na figura ao lado, a imagem de cima mostra o glóbulo DC303.8-14.2 visto num filtro em torno dos 0,7 mícrones
mícron (µm)
O mícron (µm), ou micrómetro, é uma unidade de comprimento que corresponde à milésima parte do milímetro: 1µm = 10-3mm = 10-6 m.
(imagem retirada do Digital Sky Survey, ou DSS). O glóbulo cobre no céu uma área com cerca de metade da área da Lua Cheia
Lua Cheia
Lua Cheia é a fase da Lua quando esta se encontra em oposição relativamente ao Sol; quando observada a partir da Terra, a Lua exibe toda a sua superfície iluminada.
. As partículas de poeira na nuvem reflectem a luz de estrelas vizinhas, fazendo com o glóbulo pareça mais brilhante que o céu que lhe é adjacente.

Com o objectivo de analisar com mais detalhe a estrutura deste glóbulo, uma equipa liderada por astrónomos finlandeses usou o telescópio Antu de 8,2 m (um dos quatro telescópios que compõem o VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO), no observatório Paranal, no Chile), acoplado com a câmara de infravermelhos
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
Infrared Spectrograph And Array Camera (ISAAC). Foram obtidas imagens da região central de DC303.8-14.2, em três bandas do infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
: as bandas J
banda J
A banda (ou filtro) J situa-se no domínio do infravermelho próximo, centrada no comprimento de onda de 1,25 mícrones e com uma largura de aproximadamente 0,3 mícrones.
(centrada nos 1,25 mícrones), H (1,65 mícrones), e Ks (2,17 mícrones). As imagens individuais das 3 bandas foram combinadas para gerar as imagem a cores que se mostra aqui ao lado (imagem ao meio).

A imagem do meio, que mostra a região central do glóbulo, revela claramente a existência de luz infravermelha difusa em forma de anel. Este tipo de anel nunca antes tinha sido observado no infravermelho em torno de um glóbulo. Dado que a poeira extingue a luz (que nele incide) consoante o comprimento de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
dessa mesma luz, o facto do anel ser detectado nas 3 bandas (exibindo um tamanho diferente em cada uma das bandas) permite aos astrónomos obter informação sobre a estrutura interna do glóbulo. Os astrónomos concluíram que a região central do glóbulo é tão densa que a luz emitida pela estrela em formação é atenuada pelo menos por um factor de 1000 antes que consiga emergir da nuvem.

A imagem de baixo, obtida na banda Ks
banda Ks
A banda (ou filtro) Ks situa-se no domínio do infravermelho próximo, centrada no comprimento de onda de 2,16 mícrones e com uma largura de aproximadamente 0,28 mícrones.
e cobrindo uma área com cerca de 1/500 da área coberta pela primeira imagem, revelou a presença, até hoje desconhecida, de pequenos nódulos de luz infravermelha que traduzem a ocorrência de jactos embebidos na nuvem que emanam da estrela jovem. Estes jactos dizem-se embebidos na nuvem por não serem detectáveis em comprimentos de onda do visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
. Os pequenos nódulos, que aqui aparecem como que dispostos em cadeia, são muito provavelmente regiões onde o gás ejectado pela estrela em formação choca com o meio ambiente, criando zonas onde o hidrogénio molecular é comprimido e aquecido. Estas zonas ou regiões são conhecidas pelo nome de objectos de Herbig-Haro, em homenagem aos astrónomos George Herbig (EUA) e Guillermo Haro (México) que os descobriram de forma independente.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/phot-26-03.html