Medição da distância a um pulsar resolve mistérios astrofísicos

2003-08-29

Imagem do Anel de Monogem em raios-X, obtida pelo ROSAT. Crédito: Max-Planck Institute, AAS.
O pulsar PSR B0656+14 encontra-se na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
dos Gémeos e parece situar-se no centro de um remanescente de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, circular, chamado Anel de Monogem. Este nome deve-se ao facto do remanescente estender-se pelas constelações dos Gémeos e do Unicórnio, cujos nomes em latim, Gemini e Monoceros, respectivamente, dão origem ao nome de Monogem.

Os pulsares são estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
muito densas, que rodam sobre si mesmas muito rapidamente, e resultam da explosão de uma supernova. É pois natural assumir que o Anel de Monogem, o remanescente da explosão de uma supernova, é o que resta da explosão da estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que criou o pulsar.

Mas, até agora, as estimativas das distâncias ao pulsar e ao Anel de Monogem indicavam que, afinal, estes objectos nada tinham que ver um com o outro - a sua proximidade no céu seria apenas uma coincidência de justaposição. A distância ao pulsar, determinada por métodos indirectos, parecia ser próxima de 2500 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, enquanto que a distância ao remanescente de supernova era de apenas 1000 anos-luz.

Um novo trabalho, realizado por W. Brisken (Observatório Nacional de Radioastronomia, EUA) e colaboradores, utilizou o VLBA
Very Large Baseline Array (VLBA)
O VLBA é um sistema de dez radiotelescópios, espalhados pelos EUA continental e os seus territórios nas Ilhas Virgens e no Havai. Os radiotelescópios podem operar simultaneamente e são controlados remotamente em Socorro (Novo México). Cada estação do VLBA consiste numa antena com um prato de 25 m e um edifício de controlo. O VLBA é operado pela NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(acrónimo do inglês Very Long Baseline Array) para fazer medições precisas da posição de PSR B0656+14. O VLBA é um radiointerferómetro com 10 antenas espalhadas pelo continente norte-americano, Havai e Ilhas Virgens, operado pelo Observatório Nacional de Radioastronomia (EUA) e Fundação para a Ciência (EUA).

As observações decorreram durante o período de 2000 a 2002, sendo que a posição do pulsar foi medida para diferentes localizações da Terra na sua órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
em torno do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Com o VLBA foi possível medir o pequeno desvio na posição aparente do pulsar quando este é observado em lados opostos da órbita anual da Terra. Este efeito, chamado de paralaxe
paralaxe
A paralaxe é a mudança aparente da posição de um objecto observado, causada por uma mudança da posição do observador
, oferece uma medição directa da distância a um objecto.

A conclusão a que chegaram foi que o pulsar se encontra a cerca de 950 anos-luz da Terra, essencialmente a mesma distância a que se encontra o remanescente de supernova. Isto significa que o mais certo é PSR B0656+14 e o Anel de Monogem terem sido criados pela mesma explosão de supernova.

Com este problema resolvido, os astrónomos viraram-se para o estudo da estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
propriamente dita. Utilizando uma variedade de dados obtidos com diferentes telescópios e munidos da nova medição da distância ao pulsar, determinaram que a estrela de neutrões tem entre 25 e 40 km de diâmetro. Nesta pequena esfera está comprimida uma massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
equivalente ao Sol!

Estes investigadores conseguiram ainda dar resposta a uma questão antiga sobre raios cósmicos. Os raios cósmicos são partículas subatómicas, ou núcleos atómicos
núcleo atómico
O núcleo dum átomo é a parte central do átomo e é formado por protões e neutrões, ligados pela interacção nuclear forte. Os electrões orbitam à volta do núcleo atómico. Quase toda a massa do átomo está no seu núcleo e este tem carga eléctrica positiva.
, aceleradas quase à velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
. Pensa-se que as ondas de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
de remanescentes de supernova são responsáveis por acelerar muitas destas partículas.

Os cientistas podem medir a energia dos raios cósmicos e já tinham reparado num excesso de raios cósmicos dentro de um intervalo de energia específico. Foi então sugerido por alguns investigadores que esse excesso vinha de um único remanescente de supernova, a cerca de 1000 anos-luz, cuja supernova explodiu há 100 000 anos. A principal dificuldade em aceitar esta sugestão residia no facto de não haver um remanescente de supernova candidato.

Agora, as medições realizadas põem PSR B0656+14 e o Anel de Monogem no local exacto e com a idade certa para serem a fonte deste excesso de raios cósmicos.

Fonte da notícia: http://www.nrao.edu/pr/2003/monogem/