Estudo da galáxia Circinus altera a nossa visão do centro das galáxias activas

2003-08-27

Um disco de gás e poeira, dobrado nas pontas, envolve o buraco negro de massa elevada do centro da galáxia activa Circinus. É este disco que dá forma e direcciona o fluxo de matéria que escapa do buraco negro. O vapor de água detectado são os pontos brilhantes nesta visão artística do centro de Circinus. O fluxo de matéria tem origem dentro de um raio de 0,3 anos-luz do centro do núcleo galáctico. Crédito: Christine Lafon (CfA).
As galáxias activas
galáxia activa
Uma galáxia diz-se activa quando emite quantidades excepcionalmente elevadas de energia. São exemplo de galáxias activas as galáxias Seyfert, as radiogaláxias, os quasares e as galáxias com surtos de formação de estrelas (starburst galaxies).
possuem um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada no seu centro. Tudo o que se aproxime e ultrapasse o horizonte de acontecimentos não pode escapar do buraco negro. Mas antes, na vizinhança do buraco negro, a matéria pode escapar devido à pressão da radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
e/ou a processos ineficientes de acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
. O material que escapa forma fluxos de matéria que são lançados para o espaço.

A maioria dos astrónomos acredita que estes fluxos de matéria são direccionados e modelados por um toro de gás e poeira que se encontra à volta do buraco negro central. O toro (a forma de um donut) é assim o responsável pelos longos e estreitos jactos que se observam a sair dos buracos negros de massa elevada dos centros das galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
activas.

Mas observações recentes da galáxia Circinus indicam que o buraco negro central desta galáxia activa lança gás e poeira como se fosse um pulverizador, lembrando as nuvens de vapor de uma locomotiva antiga. Embora a radiação X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
do núcleo de Circinus originada pelo seu buraco negro central seja normal, ou seja, tão intensa como a radiação X de outras galáxias activas, os outros buracos negros formam jactos relativistas de plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
, enquanto que o buraco negro de Circinus forma um vento comparativamente lento, que pode suportar a formação de moléculas
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
delicadas e de poeira.

As observações foram conduzidas por L. Greenhill (Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica, EUA) e realizadas com o radiointerferómetro Australian Telescope Long Baseline Array (ATNF), uma rede de radiotelescópios na Austrália com 1000 km de extensão. O disco de Circinus só pode ser detectado em rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
, pois encontra-se soterrado numa confusão de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
e gás e poeira que nenhum telescópio óptico pode detectá-lo.

O radiointerferómetro detectou sinais, em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
das microondas
microondas
A região do espectro electromagnético, no domínio do rádio, com comprimento de onda entre aproximadamente 1 mm e 30 cm (equivalente ao intervalo de frequências entre 300 GHz e 1 GHz) é a região das microondas.
, de nuvens ricas em vapor de água, localizadas tanto no disco como no fluxo de matéria ejectada pelo buraco negro. A localização e a velocidade das nuvens forneceram evidências fortes de que o disco está a direccionar o material ejectado em dois cones largos, que se estendem acima e abaixo do plano da galáxia. Esta é a primeira vez que se observam fluxos em cones tão abertos, cuja origem é dentro dum raio de 0,3 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
do centro do núcleo galáctico.

Estas observações levam a crer que, em vez de um toro de gás e poeira a rodear o buraco negro central, está uma “panqueca” de gás e de poeira no centro da galáxia Circinus – um disco fino, dobrado nas pontas de modo a que visto de perfil lembra a forma de um integral (ver figura ao lado).

Este disco dá forma ao núcleo da galáxia. Cria sombras de diferentes regiões a partir do brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
criado pelo gás na vizinhança do buraco negro. E quando o material próximo do buraco negro é ejectado para o espaço, é o disco que direcciona este fluxo em cones largos, um para cada lado. A ideia contrasta com a aceite até agora, de que as sombras e os fluxos de matéria são causados por vastos e grossos toros de poeira e gás.

Greenhill e os seus colaboradores planeiam continuar a estudar a galáxia Circinus para investigarem o mecanismo responsável pela criação do fluxo de matéria que sai do buraco negro central.

Fonte da notícia: http://cfa-www.harvard.edu/press/pr0317.html