Encontros de estrelas nos enxames globulares dão origem a binários de raios-X

2003-08-20

Dois enxames globulares: NGC 6266 (ou M 62) e NGC 7099 (ou M 30). A maioria das fontes pontuais nestas imagens são sistemas binários compostos por uma estrela colapsada e uma estrela normal. Estas imagens ilustram a conclusão deste estudo, de que enxames mais densos, como M 62, onde a taxa de encontros próximos entre estrelas é maior, têm mais binários de raios-X do que enxames menos densos, como M 30. Crédito: NGC 6266 - NASA/CXC/MIT/D.Pooley et al.; NGC 7099 - NASA/CXC/UIn/H.Cohn & P.Lugger et al.
Uma equipa de astrónomos, liderados por D. Pooley (Instituto Tecnológico de Massachusetts, EUA), aproveitou a capacidade excepcional do Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
de localizar com precisão fontes individuais e determinou o número de fontes de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
em 12 enxames globulares da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. A maioria das fontes são sistemas binários que contêm uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que colapsou, seja ela uma estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
ou uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
, que se encontra a roubar material da estrela companheira, que é uma estrela normal, do tipo do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
.

Este trabalho de investigação conclui que o número de binários de raios-X está relacionado com a taxa de encontros próximos de estrelas nos enxames, sugerindo que os binários de raios-X são formados como consequência destas aproximações.

Um estudo semelhante, levado a cabo por C. Heinke (Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica, EUA) e colaboradores, confirmou este resultado e mostrou que cerca de 10% destes sistemas binários de raios-X contêm estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
. A maioria destas estrelas de neutrões estão normalmente sossegadas, despendendo menos de 10% do seu tempo a retirar activamente material das suas companheiras.

Observações realizadas pelo satélite de raios-X Uhuru
Uhuru
Foi o primeiro satélite de raios-X lançado pela NASA em 1970.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) em 1970 mostraram que os enxames globulares apresentam um número de fontes binárias de raios-X desproporcionalmente grande quando comparado com a Galáxia como um todo. Normalmente, só uma em mil milhões de estrelas é que pertence a um binário de raios-X
sistema binário de raios-X
Um sistema binário de raios-X é um caso especial de um sistema binário de estrelas, no qual uma das componentes é uma estrela normal e a outra é uma estrela que colapsou: uma anã branca, uma estrela de neutrões, ou um buraco negro. Estes pares de estrelas produzem raios-X quando as estrelas estão suficientemente próximas de forma a que a estrela que colapsou consegue roubar material à estrela normal.
que contém uma estrela de neutrões, enquanto que nos enxames globulares, a fracção é perto de uma num milhão.

Um enxame globular, também chamado aglomerado globular, é uma colecção de centenas de milhares, por vezes milhões, de estrelas, unidas gravitacionalmente numa espaço esférico de diâmetro da ordem da centena de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
. As estrelas num enxame globular encontram-se frequentemente separadas por apenas 0,1 anos-luz umas das outras. Como comparação, note-se que a estrela mais próxima do Sol, a Proxima Centauri
Proxima Centauri
A Proxima Centauri, ou Próxima do Centauro, é a estrela mais próxima do Sol, a cerca de 4,22 anos-luz de distância, na direcção do Centauro. Integra um sistema triplo de estrelas com as estrelas α Cen A e &alpha Cen B.
, encontra-se a 4,2 anos-luz.

O presente trabalho de investigação confirma as sugestões anteriores de que a probabilidade de um sistema binário se formar cresce drasticamente devido à densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de estrelas no enxame globular. Com tantas estrelas a moverem-se tão próximas umas das outras, as interacções entre estrelas ocorrem frequentemente nos enxames. Embora raramente colidam, as estrelas aproximam-se o suficiente para formarem sistemas binários, ou para que estrelas pertencentes a binários troquem de companheiras. Estes dois processos são responsáveis pelo elevado número de fontes de raios-X em enxames globulares.

O primeiro processo acontece quando uma estrela de neutrões encontra um binário de estrelas
sistema binário de estrelas
Designa-se por sistema binário de estrelas um sistema de duas estrelas que orbitam um centro de massa comum. Estrelas binárias são também usualmente designadas por estrelas duplas.
normais. Se o encontro for muito próximo, o efeito gravitacional que a estrela de neutrões exerce no par induz a estrela normal de maior massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
a mudar de parceiro e a emparelhar com a estrela de neutrões. A estrela mais leve é ejectada para fora do sistema. O outro processo consiste numa estrela de neutrões, sem companheira, aproximar-se de uma estrela normal ao ponto de a capturar por força de maré, formando um sistema binário.

Os dados obtidos com o Chandra ofereceram ainda uma oportunidade para compreender melhor a evolução dos enxames globulares. Por exemplo, concluiu-se que a energia libertada pela formação dos sistemas binários pode impedir a parte central do enxame de colapsar para formar um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa elevada.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/03_releases/press_073003.html