Aglomerados de estrelas de massa elevada descobertos em W 49

2003-07-28

Em cima: imagem de W 49A no infravermelho, composta por observações realizadas pelo SOFI na banda Ks (a vermelho), a 2,2 µm, na banda H (a verde), a 1,65 µm, e na banda J (a azul), a 1,2 µm. As fontes de rádio conhecidas estão identificadas. O aglomerado principal vê-se em cima e à esquerda da fonte O3. A cor de uma estrela nesta imagem é essencialmente uma medida da quantidade de absorção de luz pela poeira na direcção da estrela. Assim, todas as estrelas azuis nesta imagem encontram-se à frente da região de formação de estrelas. Crédito: ESO. Em baixo: imagem da região central de W 49A, baseada num mapa de emissão rádio (a vermelho), no comprimento de onda de 3,6 cm, assim como em duas imagens obtidas com o SOFI no NTT: na banda Ks (a verde) e na banda J (a azul). As zonas somente vermelhas representam regiões de hidrogénio ionizado tão profundamente embebidas na nuvem que não podem ser detectadas no infravermelho próximo. Por outro lado, as fontes azuis são estrelas que se encontram à frente de W 49A. Crédito: ESO&VLA&Chris De Pree.
As estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
formam-se predominantemente em nuvens moleculares
nuvem molecular
As nuvens moleculares são nebulosas constituídas predominantemente por hidrogénio molecular.
gigantes. Uma das mais proeminentes nuvens da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
é W 49, que possui uma massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
um milhão de vezes superior à massa do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Encontra-se a 37 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
e é a região de formação de estrelas mais luminosa que se conhece na Via Láctea: a sua luminosidade
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
é alguns milhões de vezes maior que a do Sol. Uma pequena região dentro desta nuvem, denominada por W 49A, é uma das áreas na nossa Galáxia que emite radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
mais forte.

As estrelas de massa elevada são excessivas em tudo: formam-se num ápice, vivem freneticamente as suas vidas curtas e acabam em explosões de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. Os locais de formação de estrelas de massa elevada são raros e distam de nós milhares de anos-luz. É somente por este motivo que é muito mais difícil observar os detalhes no processo de formação de estrelas de massa elevada.

Como as estrelas de massa elevada são geralmente formadas no disco da Galáxia, onde se encontra muito gás e poeira, os primeiros estágios da vida destas estrelas são normalmente escondidos por espessas cortinas de poeira. No caso de W 49A, menos de um milionésimo da luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
emitida por uma estrela nesta região encontrará o seu caminho através das camadas intervenientes de poeira galáctica e alcançará os telescópios na Terra.

E finalmente, porque as estrelas de massa elevada recém formadas encontram-se embebidas nas profundezas das nuvens natais, não são detectáveis em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
do óptico. As observações da fase inicial da vida destas estrelas têm mesmo de se realizar a comprimentos de onda mais longos, onde a poeira é mais transparente. E mesmo assim, a poeira das nuvens ainda absorve uma porção muito significativa da luz emitida pelas jovens estrelas.

Devido aos obstáculos observacionais, nunca ninguém tinha penetrado suficientemente profundo nas regiões centrais mais densas de nuvem molecular W 49 e não se sabia o que lá se encontrava. O astrofísico português João Alves, cientista do Observatório Europeu do Sul
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
(ESO), e a sua colega Nicole Homeier decidiram obter imagens profundas desta misteriosa área com a câmara de infravermelhos
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
próximos SOFI no telescópio NTT, de 3,5 m, no Observatório de La Silla (ESO), no Chile.

Durante um período de excelentes condições atmosféricas (seeing de 0,5 segundos de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
), estes astrónomos obtiveram uma série de imagens no infravermelho. Estas revelaram claramente a presença de um aglomerado de estrelas no centro da região de gás de hidrogénio ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
(região HII) que mede 20 anos-luz de diâmetro. Outros três aglomerados de estrelas, menores, foram detectados nas imagens. Os astrónomos identificaram mais de uma centena de estrelas de massa elevada em W 49A, cujas massas ultrapassam as 15 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. De entre estas, cerca de 30 localizam-se num raio de 10 anos-luz da região central.

A descoberta destas estrelas quentes de massa elevada resolve um dos problemas que pendiam sobre W 49A: a extraordinária luminosidade desta região requer uma fonte de energia de cerca de cem estrelas de massa elevada e nunca ninguém as tinha visto! A presença de um número tão elevado de estrelas de massa elevada espalhadas por toda a região sugere que a formação de estrelas nas várias regiões de W 49A tiveram de acontecer simultaneamente, a partir de sementes diferentes, e não, como alguns teóricos defendem, num processo de efeito em cadeia, tipo dominó, onde o vento estelar constituído por partículas de alta velocidade e a radiação emitida pelas estrelas recém-formadas provocam um outro surto de formação de estrelas na vizinhança. Os resultados desta investigação também implicam que a formação de estrelas em W 49A começou cedo e estende-se a uma área maior do que se julgava.

João Alves apresentou este trabalho na conferência da União Astronómica Internacional
International Astronomical Union (IAU)
A União Astronómica Internacional foi fundada em 1919, tendo por missão promover, coordenar e salvaguardar a Ciência da Astronomia, em todos os aspectos, através de colaboração internacional. Conta com mais de 8 300 membros individuais, e ainda com 66 países membros. É a entidade internacionalmente reconhecida como autoridade para a atribuição de designações de objectos celestes e de quaisquer características à sua superfície, como por exemplo crateras e vulcões.
(IAU), que decorreu em Sidney (Austrália), de 13 a 26 de Julho. Nas suas palavras, “Há muito que os radioastrónomos conhecem W 49A como a região de formação de estrelas mais poderosa na Galáxia, com cerca de 30 estrelas bebés de massa elevada do tipo O, profundamente embebidas na nuvem mãe. O que encontrámos foi, de facto, bastante surpreendente: esta maternidade estelar é muito maior do que se pensava e ainda não parou de formar estrelas. Temos agora evidências de que existem pelo menos cem estrelas com estas características nesta região, muito mais do que as três dezenas que se conheciam.”

Nicole Homeier acrescenta: ”Acima de tudo, descobrimos quatro aglomerados de estrelas de massa elevada nesta região, com estrelas que atingem 120 vezes a massa do Sol – verdadeiras bestas que bombardeiam o espaço à sua volta com ventos estelares fortíssimos e luz ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
intensa. Não é um local agradável para se viver – e imaginem, isto passa-se dentro da nossa sossegada Galáxia!”.

Um artigo científico descrevendo este estudo foi publicado na revista da especialidade Astrophysical Journal, sob o título ”Uncovering the beast: discovery of embedded massive stellar custers in W 49A”.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-20-03.html