Remanescente de supernova na Grande Nuvem de Magalhães

2003-07-22

O remanescente de supernova N 49, na Grande Nuvem de Magalhães. Crédito: NASA & The Hubble Heritage Team (STScI/AURA).
Lembrando nuvens de fumo e faíscas de fogo de artifício, estes delicados filamentos na imagem ao lado são, na verdade, finas camadas do que sobra de um remanescente de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
na Grande Nuvem de Magalhães
Grande Nuvem de Magalhães
A Grande Nuvem de Magalhães é uma galáxia irregular que orbita a Via Láctea, a uma distância aproximada de 180 mil anos-luz. Juntamente com a Pequena Nuvem de Magalhães, é um objecto celeste do céu austral bem visível à vista desarmada, na constelação do Dorado (Espadarte). Conhecida desde 964 D.C., quando foi mencionada pelo astrónomo Persa Al Sufi, foi redescoberta por Fernão de Magalhães em 1519. Esta galáxia contém inúmeros objectos interessantes, entre os quais a Nebulosa da Tarântula (NGC 2070).
– uma pequena galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
satélite da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, visível no hemisfério Sul.

Denominado N 49, ou DEM L 190, este remanescente de supernova teve origem numa estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada que morreu com uma explosão de supernova, cuja luz chegou à Terra há milhares de anos. Este material filamentar irá eventualmente ser reciclado nas novas gerações de estrelas na Grande Nuvem de Magalhães. O nosso Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e os planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
também se formaram a partir de restos de supernovas que explodiram na Via Láctea há milhares de milhões de anos.

Nesta estrutura reside um pulsar - uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
que roda - que poderá ser o que resta da explosão da supernova. É bastante comum que o núcleo de uma estrela que tenha explodido como supernova se torne um pulsar, depois de ter expelido as camadas mais externas. No caso de N 49, a estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
completa uma rotação em 8 segundos e possui um campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
muito intenso: mil biliões de vezes o campo magnético da Terra. Estes dois factos colocam-na na classe exclusiva de objectos chamados magnetares.

A 5 de Março de 1979, este pulsar deu origem a um episódio histórico de uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
que foi detectado por diversos satélites a orbitarem a Terra. Os raios gama têm mais de milhões de vezes a energia dos fotões
fotão
O fotão, muitas vezes referido como a partícula de luz, é o quantum do campo electromagnético e é a partícula elementar da radiação electromagnética.
da luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
. A atmosfera da Terra
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
protege-nos ao bloquear os raios gama que vêm do espaço. O pulsar de N 49 teve várias emissões de raios gama subsequentes e é hoje reconhecido como um “repetidor de raios gama moles
Soft Gamma-ray Repeater (SGR)
Um Repetidor de Raios Gama Moles é, de acordo com a teoria vigente, uma fase curta na vida de um magnetar. Durante este período, a estrela tem surtos de emissão de raios gama moles provocados por tremores de estrela devido ao campo magnético na sua superfície.
”. Estes objectos são uma classe peculiar de estrelas que produzem raios gama que são menos energéticos do que os emitidos pela maioria dos emissores de fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
.

O pulsar de N 49 também emite em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
(radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
com energia ligeiramente inferior aos raios gama moles
mole (mol)
A mole (mol) é a unidade fundamental SI de quantidade de matéria e é equivalente à quantidade de matéria que contém tantas entidades elementares quantos os átomos que existem em 0,012 kg de carbono-12.
). Observatórios espaciais de alta resolução de raios-X conseguiram resolver uma fonte pontual perto do centro de N 49, a provável contrapartida em raios-X do repetidor de raios gama moles. Também são visíveis em raios-X filamentos difusos e nódulos ao longo do remanescente de supernova. Os filamentos visíveis na imagem do óptico representam a onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
a varrer o meio interestelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
e as nuvens moleculares
nuvem molecular
As nuvens moleculares são nebulosas constituídas predominantemente por hidrogénio molecular.
densas vizinhas.

Hoje, N 49 é o alvo de investigações lideradas pelos astrónomos Y. Chu, da Universidade de Ilinóis em Urbana-Champaign (EUA), e R. Williams, da Universidade de Massachussetts (EUA). Os membros desta equipa científica estão interessados em compreender se pequenas nuvens do meio interestelar da Grande Nuvem de Magalhães podem ter um efeito marcante na estrutura física e na evolução deste remanescente de supernova.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/archive/2003/20/image/a