Hubble confirma a descoberta do planeta mais antigo que se conhece

2003-07-21

O aglomerado globular M4. A imagem da esquerda foi obtida a partir da Terra pelo National Optical Astronomy Observatory (NOAO, EUA) e mostra uma visão geral de M4, um aglomerado globular com uma idade de 13 mil milhões de anos. A zona assinalada a verde indica o campo observado pelo Hubble. Na imagem da direita mostra-se uma imagem resultante das observações obtida pelo Hubble. A seta indica a posição da anã branca. M4 encontra-se a 5 600 anos-luz de distância na constelação do Escorpião. Crédito: NASA e H. Richer (imagem do Hubble); NOAO/AURA/NSF (imagem do NOAO).
Muito antes de que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e a Terra existissem, formou-se ao redor de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
semelhante ao Sol um planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
com um tamanho parecido ao de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
. Agora, quase 13 mil milhões de anos depois, o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
mediu com precisão a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
deste planeta, que é o mais distante e mais velho que se conhece. Este planeta antigo teve uma vida notável num ambiente muito pouco acolhedor. Encontra-se em órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de duas estrelas que quase esgotaram o seu combustível nuclear, no coração de um aglomerado globular.

Os novos achados do Hubble encerram uma década de especulação e debate acerca da verdadeira natureza deste mundo antigo, que leva um século a completar uma órbita. O planeta tem 2,5 vezes a massa de Júpiter. A sua simples existência proporciona uma extraordinária prova de que os primeiros planetas se formaram rapidamente, menos de mil milhões de anos depois do Big Bang, o que leva os astrónomos a concluir que os planetas podem ser muito abundantes no Universo.

O planeta encontra-se perto do coração do aglomerado globular M4, situado a 5 600 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
na direcção da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Escorpião. Os aglomerados globulares são deficientes em elementos pesados, porque se formaram tão no início do Universo que esses elementos ainda não tinham sido produzidos em abundância pelas fornalhas nucleares das estrelas. Por essa razão, alguns astrónomos têm argumentado que os aglomerados globulares não podem conter planetas. Esta conclusão foi de certo modo fortalecida em 1999 quando o Hubble não encontrou planetas ao redor de estrelas do aglomerado globular 47 Tucanae. Agora, parece que os astrónomos estavam simplesmente a olhar para o sítio errado, e que mundos gigantes podem ser comuns em aglomerados globulares. Com efeito, o planeta encontra-se num sítio muito improvável, em órbita simultâneamente de uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
e de uma estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, e próximo do povoadíssimo centro de um aglomerado globular. Num local como este, os frágeis sistemas planetários tendem a desfazer-se devido às interacções gravitacionais com estrelas vizinhas.

A história da descoberta deste planeta começou em 1988 quando se descobriu em M4 o pulsar B1620-26. Este pulsar é uma estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
que gira quase 100 vezes por segundo e emite pulsos de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
como se fosse um farol. A anã branca foi rapidamente descoberta devido ao seu efeito sobre as pulsações do pulsar. Algum tempo depois os investigadores notaram outras irregularidades no pulsar que implicava a presença de um terceiro objecto a orbitar as duas estrelas. Suspeitou-se que o novo objecto fosse um planeta, ainda que também pudesse ser uma anã castanha
anã castanha
A anã castanha é uma estrela falhada cuja massa é insuficiente para permitir a fusão nuclear do hidrogénio em hélio no seu centro. No início das suas vidas, as anãs castanhas têm a fusão de deutério no seu núcleo central. Mesmo depois de esgotarem o deutério, as anãs castanhas radiam por conversão de energia potencial gravítica em calor e, como tal, emitem fortemente no domínio do infravermelho. De acordo com modelos, a massa máxima que uma anã castanha pode ter é de 0,08 massas solares (ou 80 massas de Júpiter). Estes objectos representam o elo que falta entre as estrelas de pequena massa e os planetas gasosos gigantes como Júpiter.
ou uma estrela de pequena massa. O debate acerca da sua verdadeira identidade continuou ao longo da década de 1990.

O debate foi agora resolvido pela medição da massa do terceiro corpo. Analisando dados do Hubble, obtidos em meados dos anos 1990 para estudar anãs brancas em M4, Steinn Sigurdsson, da Universidade Estatal da Pensilvânia (EUA), e os seus colaboradores foram capazes de detectar a anã branca que orbita o pulsar e de medir a sua cor e temperatura. Estas medições permitiram, com a ajuda de modelos de evolução estelar, determinar a massa da anã branca.

A comparação da massa da anã branca, com a variação do sinal do pulsar, permitiu calcular a inclinação da órbita
inclinação de uma órbita
A inclinação da órbita de um astro é definida pelo ângulo entre o plano orbital do astro e outro plano de referência. No caso de um planeta do Sistema Solar, o plano de referência é o plano da órbita terrestre; no caso de um satélite, a referência é geralmente o plano equatorial do planeta.
vista da Terra. Este resultado, uma vez combinado com estudos do pulsar realizados no rádio, permitiu também determinar a inclinação da órbita do planeta, o que por sua vez permitiu finalmente determinar a sua massa. Com uma massa de apenas 2,5 vezes a de Júpiter, o objecto é demasiado pequeno para ser uma anã castanha e tem de ser um planeta. O planeta é muito provavelmente um gigante gasoso sem uma superfície sólida.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/archive/2003/19/text