CFHT e VLT identificam uma galáxia extremamente remota

2003-06-26

Imagens do campo da galáxia z6VDF J022803-041618 tomadas com o CFHT em distintos filtros (cores). A posição do objecto está marcada no centro de cada uma das imagens. O objecto é apenas visível na imagem tomada com o filtro de 920 nm. Nenhuma das imagens tomadas nas outras bandas (B - 450 nm; V - 550 nm; R - 650 nm; I - 800 nm) ou na construída pela combinação delas (marcada como Det) revela a presença da galáxia. Cada uma das imagens cobre um campo de 20 x 20 segundos de arco. O norte está em cima e Este à direita. Crédito: CFHT, ESO, Jean-Gabriel Cuby
A maioria dos cientistas concorda que o Universo nasceu da explosão de um estado inicial extremamente quente e denso. As observações mais recentes indicam que essa explosão inicial, popularizada com o nome de Big Bang, ocorreu há cerca de 13,7 mil milhões de anos.

O fluxo de luz que nos chega de um objecto celeste é atenuado pela distância, pelo que quanto mais longe estiver - e portanto quanto mais para trás no tempo o virmos - mais fraco parece. Simultaneamente, essa luz sofre um avermelhamento
avermelhamento
O avermelhamento da radiação deve-se ao facto da luz, ao atravessar um meio, dispersar mais fortemente nos comprimentos de onda menores (azul) do que nos maiores (vermelho). Como consequência, a luz parece avermelhada. Este fenómeno ocorre, por exemplo, na atmosfera terrestre, ou no meio interestelar.
devido à expansão do Universo, de modo que quanto maior for a distancia maior é o desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
.

Com os telescópios situados na Terra, o limite para a detecção dos objectos mais fracos encontra-se na parte visível do espectro. Assim, a detecção de objectos muito distantes está baseada na observação de características espectrais do ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
que para nós aparecem na região visível devido ao desvio para o vermelho. Normalmente, a característica espectral do ultravioleta que se utiliza é a da linha de emissão Lyman-alfa que corresponde a fotões
fotão
O fotão, muitas vezes referido como a partícula de luz, é o quantum do campo electromagnético e é a partícula elementar da radiação electromagnética.
emitidos por átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de hidrogénio quando transitam de um estado excitado para o estado fundamental.

No entanto, a presença da atmosfera terrestre
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
impõe algumas dificuldades à observação da emissão Lyman-alfa de galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
muito distantes. Com efeito, a atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
também emite luz, muito especialmente nas regiões espectrais do vermelho e do infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
, devido à presença de centenas de linhas de emissão da molécula
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
de OH. Esta forte emissão, chamada pelos astrónomos de "fundo do céu", impõe um limite à detecção no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
próximo de objectos fracos a partir da Terra. Felizmente, existem intervalos espectrais,também designados por "janelas", onde o fundo de OH é menor, o que permite alargar o limite de detecção a objectos mais fracos. Assim, usando filtros especialmente concebidos para deixar passar apenas a luz proveniente de uma banda estreita situada numa destas janelas, pode-se maximizar o contraste entre a emissão Lyman-alfa proveniente de galáxias distantes e a emissão devida à atmosfera terrestre.

Baseando-se nestas ideias, uma equipa internacional de astrónomos instalou no Canada-France-Hawaii Telescope
Canada-France-Hawaii Telescope (CFHT)
O Telescópio Canadá-França-Havai é um telescópio de 3,6 m de diâmetro situado no Observatório de Mauna Kea, no Havai (EUA), operacional desde 1977. A instrumentação deste telescópio inclui, entre outros, a MegaPrime, uma câmara de campo largo e de alta resolução composta por um conjunto de 36 CCDs acoplados num só instrumento.
(CFHT), situado em Mauna Kea (Hawaii, EUA), um filtro de banda estreita centrado no comprimento de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
de 920 nm
nanómetro (nm)
O nanómetro (nm) é uma unidade de comprimento igual a um milionésimo do milímetro: 1nm = 10-6mm = 10-9m.
(filtro NB920). O objectivo era encontrar galáxias extremamente distantes. Ao analisar imagens tomadas com diversos filtros, os astrónomos identificaram objectos que são relativamente brilhantes na imagem tomada com o NB920 mas muito fracos, ou nem sequer visíveis, nos outros filtros. A explicação mais provável para um objecto com uma cor tão pouco usual é a de que se trata de uma galáxia extremamente distante cuja forte emissão Lyman-alfa está próxima dos 920 nm devido ao desvio para o vermelho. Qualquer luz emitida em comprimentos de onda menores que o de Lyman-alfa é fortemente absorvida pelo hidrogénio interestelar e intergaláctico, razão pela qual o objecto não é visível nos outros filtros.

Observações espectroscópicas, necessárias para confirmar a verdadeira natureza do objecto, foram realizadas no VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(Paranal, Chile). O espectro permitiu identificar sem ambiguidade a linha de emissão Lyman-alfa e determinar o seu desvio para o vermelho. O valor de 6,17 obtido faz de esta galáxia uma das galáxias mais distantes jamais detectadas, o que significa que a estamos a ver como era quando o Universo tinha apenas 900 milhões de anos de idade. A primeira parte da sua estranha designação, z6VDF J022803-041618, refere-se ao nome do projecto e a segunda à sua posição no céu.

Estas observações trouxeram, no entanto, uma surpresa. A emissão Lyman-alfa foi encontrada num comprimento de onda algo menor que o esperado. Na realidade, o que tinha sido detectado na imagem tomada no CFHT com o filtro NB920 não foi a emissão Lyman-alfa, mas sim emissão de espectro contínuo em comprimentos de onda um pouco maiores. Uma primeira consequência foi a de que o desvio para o vermelho medido foi de 6,17 e não os 6,5 previstos inicialmente. A segunda consequência foi que z6VDF J022803-041618 foi detectada graças à luz de espectro contínuo emitida pelas suas estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
e não pela emissão Lyman-alfa do hidrogénio. Esta última conclusão é de especial interesse uma vez que mostra que em principio podem detectar-se galáxias muito distantes sem depender totalmente da emissão de Lyman-alfa, que pode nem sempre estar presente nos espectros de galáxias distantes. Espera-se que esta nova possibilidade de descobrir e estudar objectos extremamente remotos nos venha a trazer uma nova luz sobre a infância do Universo.

Fonte: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-12-03.html