Achernar: uma estrela achatada

2003-06-21

Em cima: perfil da estrela Achernar deduzido a partir das observações realizadas com o VLTI. Os diâmetros angulares individuais estão indicados por pares de pequenos pontos (com barras de erro associadas). A curva a cheio representa o melhor ajuste de uma elipse. O quociente entre os eixos é de 1,56±0,05. O eixo maior desta elipse é uma medida do verdadeiro tamanho da estrela, enquanto que, devido ao efeito de projecção, o eixo menor mostra a sua maior extensão possível na direcção perpendicular. O quociente dos eixos é, na verdade, um limite mínimo e a estrela pode ser ainda mais achatada do que esta elipse sugere. Em baixo: dois modelos para a estrela Achernar com base no perfil medido com o VLTI. No Modelo A, o eixo polar encontra-se inclinado 50° em relação à linha de visão; em B, o ângulo é de 90°. Crédito: ESO.
É costume considerar, numa primeira aproximação, que os planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
e as estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
são objectos redondos. Mas na verdade, não é bem assim. Devido à sua rotação diária, a Terra é ligeiramente achatada: o raio equatorial da Terra é cerca de 21 km (0,3%) maior do que o raio polar. As estrelas são enormes esferas de gás e sabe-se que algumas rodam muito rapidamente. Por isso, espera-se que sejam achatadas. Mas quão achatadas são?

A visão mais detalhada do aspecto geral de uma estrela com velocidade de rotação elevada foi agora obtida pelo interferómetro VLTI (Very Large Telescope
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
Interferometer
), no Observatório do Paranal (ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
). E o resultado é surpreendente. A estrela observada foi Alpha Eridani, também conhecida por Achernar - a estrela mais brilhante na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
austral de Erídano (o Rio). Achernar é uma estrela quente, do tipo B, com uma massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
6 vezes superior à do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. A sua temperatura à superfície é aproximadamente 20 000°C e encontra-se a 145 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
.

Os dois telescópios de teste de 40 cm, que serviram para obter a primeira luz do VLTI em Março de 2001, foram colocados na Plataforma de Observação do VLTI, no topo do Paranal, de modo a formarem uma configuração com duas linhas de base a 90°, com 66 m e 140 m, respectivamente. Em intervalos de tempo regulares, estes dois telescópios apontaram para Achernar e os seus feixes de luz foram direccionados para o foco comum no instrumento VINCI, no Laboratório de Interferometria do VLT. Devido à rotação da Terra, foi possível medir o diâmetro angular da estrela em direcções diferentes.

Uma primeira tentativa de medição da deformação geométrica de uma estrela que roda rapidamente foi levada a cabo em 1974. Com o interferómetro Narrabri Intensity Interferometer (Austrália), H. Brown observou a estrela brilhante Altair, mas, devido a limitações técnicas, essas observações foram inconclusivas. Mais recentemente, G. Van Belle e os seus colaboradores observaram Altair com o interferómetro Palomar Testbed Interferometer (EUA), mediram o seu quociente axial aparente (quociente entre o eixo maior
eixo maior
O eixo maior é o maior dos dois eixos de uma elipse.
e o eixo menor da elipse
elipse
Por definição, a elipse é uma curva de intersecção de uma superfície cónica ou cilíndrica de revolução, por um plano que corta todas as geratrizes. A equação da elipse mostra que esta é uma curva plana na qual a soma das distâncias de cada ponto ao longo da sua periferia aos dois focos é constante: x2/a2 + y2/a2 = 1, em que 2a e 2b são os eixos maior e menor, respectivamente.
) e obtiveram o valor de 1,140±0,029. Do seu estudo foi possível colocar alguns constrangimentos na relação entre a velocidade de rotação da estrela e a sua inclinação.

O perfil aparente de Achernar, baseado em cerca de 20 000 interferogramas obtidos a 2,2µm, com um total de tempo de integração acima de 20 horas, indicam um surpreendente quociente axial aparente de 1,56±0,05. Este facto deve-se obviamente à rápida rotação de Achernar.

O tamanho angular do perfil elíptico de Achernar é de 0,00253±0,00006 segundos de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
e 0,0162±0,00001 segundos de arco. À distância indicada, os correspondentes raios estelares são de 12,0±0,4 e 7,7±0,2 raios solares, ou 8,4 e 5,4 milhões de quilómetros, respectivamente. O primeiro valor corresponde ao raio equatorial e o segundo valor é um limite máximo para o raio polar, que depende da inclinação do eixo polar da estrela relativamente à nossa linha de visão (ver figura).

O elevado quociente encontrado entre o raio equatorial e o raio polar de Achernar constitui um desafio sem precedentes para a astrofísica estelar teórica. Em particular, é necessário rever a teoria relativa à perda de massa da superfície devido à elevada velocidade de rotação (efeito centrífugo) e relativa à distribuição do momento angular interno (velocidade de rotação em diferentes profundidades).

Existem duas hipóteses para Achernar: ou roda mais rapidamente do que os 225 km/s que as observações espectroscópicas indicam (e aproxima-se mais da velocidade crítica de 300 km/s, acima da qual a estrela se desintegra), ou viola a rotação de um corpo rígido.

O achatamento observado em Achernar não pode ser reproduzido pelo modelo de Roche, que implica a rotação de um corpo sólido e a concentração de massa no centro da estrela. A limitação do modelo é ainda mais evidente se for tido em conta o efeito conhecido por “obscurecimento pela gravidade” – este consiste numa distribuição não uniforme da temperatura à superfície, o que certamente acontece em Achernar devido à deformação geométrica tão forte.

A equipa de investigação é constituída pelos astrónomos: A. de Souza, L. Abe e F. Vakili (LUAN, França), P. Kervella (ESO-Santiago), S. Jankov (Observatório Côte d’Azur, França), E. DiFolco e F. Paresce (ESO-Garching).

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-14-03.html