Astrónomos obtêm mapa 3D da nossa Bolha Local

2003-06-19

A Bolha Local vista no plano galáctico (em cima), e de perfil (em baixo). As zonas a branco indicam as regiões de gás pouco denso e quente. Os contornos a negro indicam as regiões de gás mais frio e denso, estando indicados os nomes das nuvens moleculares associadas. Em ambas as figuras mostra-se a localização da Bolha Local na galáxia da Via Láctea. Crédito: Rosine Lallement et al.
O primeiro mapa verdadeiramente detalhado, num raio de cerca de 1000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra, da região do meio interestelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
que circunda o Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, que é conhecida por Bolha Local, foi obtido por uma equipa de astrónomos americanos, da Universidade da Califórnia (em Berkeley, EUA), e franceses, do Centro Nacional de Investigação Científica (Paris) e do Observatório de Paris. Este mapa veio mudar a ideia reinante que os astrónomos tinham da nossa vizinhança imediata na Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
.

Até agora, julgava-se que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
se encontrava no interior de uma bolha de gás interestelar
gás interestelar
O gás interestelar é constituído pelos átomos, moléculas e iões de elementos, ou substâncias, gasosas presentes no meio interestelar.
muito quente, com hidrogénio atómico a cerca de 1 milhão de graus Kelvin e em quantidades cerca de 100 a 1000 vezes menor que a densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
média de átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de hidrogénio na Via Láctea. Além disso, esta bolha estava rodeada por uma espécie de parede sólida composta por gás mais denso e frio.

Mas, afinal, parece que a região em torno do Sol é uma verdadeira cavidade irregular, composta por gás pouco denso, na qual existem túneis que atravessam a tal parede de gás mais denso. A equipa de astrónomos acredita que estas cavidades e túneis que se interligam, em tudo análogas à estrutura das esponjas, foram criadas por explosões de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
ou por ventos estelares extremamente fortes que varreram extensas regiões e, quando colidiram entre si, formaram estas passagens.

Este estudo vem assim mostrar que a nossa vizinhança em vez de ser designada por Bolha Local, talvez devesse ser designada Chaminé Local, dada a sua forma mais parecida com a de um tubo. Se este sistema de cavidades for típico da nossa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
, em toda a sua extensão, então confirma-se uma teoria, já com 30 anos, avançada por D. Cox e B. Smith, ambos da Universidade deWisconsin (EUA), na qual explosões de supernova extremamente energéticas criaram bolhas de gás quente que se expandiram a alta velocidade e colidiram com o gás frio ambiente que é assim comprimido em camadas finas. Estas camadas finas podem eventualmente sofrer novas colisões de bolhas em expansão, rompendo-se e formando túneis entre diferentes cavidades.

De momento, ninguém sabe ao certo a origem das cavidades. A Bolha Local tem, pelo menos, uns poucos milhões de anos, e pode facilmente ter sido criada por uma explosão de supernova, que rompeu ambas as superfícies do disco galáctico (ver figura), pelo intenso vento estelar de uma dezena de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
muito quentes, por uma potente fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios-g, ou ainda , e muito simplesmente, uma estrela gigante
estrela gigante
Uma estrela gigante é uma estrela que terminou o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo e, por isso, arrefeceu e expandiu-se. As estrelas gigantes são o estado evoluído das estrelas anãs. Terminada a fusão de hidrogénio em hélio no núcleo, pode ocorrer um dos seguintes processos, ou os dois: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo, ou a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal. Exemplo de estrelas gigantes próximas de nós: Aldebarã, Arturus e Capela.
que atravessou a região, arrastando consigo muito do material interestelar. Qualquer destas hipóteses é teoricamente válida no sentido em que qualquer destes processos pode limpar o gás denso da região, deixando apenas hidrogénio ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
muito ténue.

A solução para este enigma talvez venha de três satélites vocacionados para a busca de gás quente (entre 250 000 e 500 000 graus Celsius) na vizinhança do Sistema Solar: o Cosmic Hot Interstellar Plasma Spectrometer (CHIPS), construído no Laboratório de Ciências Espaciais da Universidade da Califórnia (em Berkeley) e lançado em Dezembro de 2002; o Spectroscopy of Plasma Evolution and Astrophysical Radiation (SPEAR), também construído pela Universidade da Califórnia, e que irá ser lançado no final de 2003; e finalmente o Far Ultraviolet Spectroscopic Explorer (FUSE), da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, actualmente em operação.

Dado que o hidrogénio atómico frio não pode ser observado directamente, uma vez que a sua densidade é cerca de 10 vezes menor do que aquela que pode ser detectada pelos melhores radiotelescópios, os astrónomos observaram sódio neutro frio, que existe onde quer que exista hidrogénio denso e frio.

Neste estudo foram utilizados dados obtidos no Observatório de Kitt Peak
Kitt Peak National Observatory (KPNO)
O Observatório Nacional de Kitt Peak (KPNO) faz parte dos observatórios da NOAO e inclui diversos telescópios ópticos, de infravermelhos e um telescópio solar, além de operar, em consórcio, 19 telescópios ópticos e dois radiotelescópios. O KPNO situa-se a 90 km de Tucson, no Arizona (EUA).
(Arizona, EUA), no Observatório de Haute Provence (França), no Observatório Europeu do Sul
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
(ESO), situado no Chile, no Observatório Lick (Califórnia, EUA), e no Observatório do Monte Stromlo (Austrália) recentemente destruído por um incêndio. Ao longo de mais de cinco anos foram recolhidos e analisados dados relativos a observações da presença de gás atómico no espaço interestelar na direcção de mais de mil estrelas na vizinhança do Sol.

Mas foram os dados do satélite Hiparco (ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) que permitiram obter uma extraordinária precisão nas distâncias das estrelas nossa vizinhança. Identificando e separando as estrelas que apresentavam sinais da existência de absorção
absorção de radiação
A absorção de radiação é um decréscimo da intensidade da radiação devido à energia dispendida na excitação ou ionização de átomos e moléculas do meio que atravessa.
devida ao sódio interestelar das que não apresentavam sinal algum, foi possível reconstruir tridimensionalmente a região de gás pouco denso em torno do Sistema Solar.

Fonte da notícia: http://www.berkeley.edu/news/media/releases/2003/05/29_space.shtml