Ventos de mudança em Saturno

2003-06-18

Saturno visto pela câmara Wide Field Planetary Camera do Hubble. Crédito: Sanchez-Lavega et al 2003.
Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
, um dos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
mais ventosos do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, teve recentemente uma alteração dramática inesperada no seu clima: os seus ventos equatoriais amainaram, desde os 1700 km/h medidos pela sonda Voyager (NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) em 1980-81, até uns modestos 990 km/h, medidos entre 1996 e 2001. A. Sanchez-Lavega, S. Perez-Hoyos, J. F. Rojas e R. Hueso, da Universidade do País Basco (Espanha), e R. French, do Wellesley College (EUA), descrevem o seu trabalho de investigação num artigo na revista científica Nature de Junho de 2003.

Utilizando imagens de Saturno obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), os astrónomos mediram o movimento das nuvens e das tempestades no planeta dos anéis. Um dos grandes mistérios das ciências atmosféricas consiste em perceber porque é que os planetas gigantes como Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
e Saturno, que são enormes esferas compostas essencialmente por hidrogénio e hélio, têm um padrão de alternância entre ventos Este-Oeste e Oeste-Este com a latitude.

Ao contrário dos ventos na Terra, produzidos pelas diferentes massas
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
de ar que recebem energia principalmente da luz do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, os ventos nos planetas gigantes têm uma fonte de energia adicional no calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
que se escapa dos seus interiores. Embora esta fonte adicional de calor seja apenas uma fracção do calor devido à luz solar na Terra, os ventos nos planetas gigantes são dez vezes mais intensos do que os ventos na Terra. Ainda não se compreende o papel destas fontes interiores de energia na sustentação destes ventos fortes nos planetas gigantes, nem porque é que a velocidade máxima dos ventos é alcançada no equador.

Actualmente existem duas teorias bastante distintas para explicar o sistema de ventos nos planetas gigantes. Por um lado, pensa-se que os ventos se estendem em profundidade no interior do planeta, indo assim buscar energia ao calor libertado pelo planeta. Por outro lado, a circulação atmosférica é modelada como nos planetas terrestres
planeta terrestre
Designa-se por planeta terrestre um planeta com densidade e tamanho comparável ao da Terra. No Sistema Solar são considerados planetas terrestres (ou telúricos) Mercúrio, Vénus, Terra, Marte e Plutão, e ainda se incluem os satélites naturais como a Lua, os satélites galileanos de Júpiter, Titã e Tritão, por exemplo.
, sendo provocada pelo calor solar depositado na fina camada atmosférica superior. Ambas as explicações têm falhas e nenhuma explica os fortes ventos equatoriais.

Uma forma de testar estes modelos é analisando o comportamento dos ventos a longo prazo, medindo a sua sensibilidade a variações na quantidade de luz solar devido a efeitos sazonais ou a outras influências. Estudos anteriores mostraram que os ventos de Júpiter são bastante estáveis e não são sensíveis a alterações nas estações do ano.

A câmara de alta resolução Wide Field Planetary Camera (WFPC2) do Hubble permitiu que estes astrónomos seguissem um número suficiente de elementos nas nuvens de Saturno de forma a medir a velocidade do vento em várias latitudes. O resultado: os ventos equatoriais medidos entre 1996 e 2001 têm apenas metade da força que tinham em 1980-81, quando a sonda Voyager visitou o planeta. Por contraste, os ventos longe do equador permaneceram estáveis e mostram um forte simetria nos dois hemisférios, característica não encontrada em Júpiter.

O comportamento diferente dos ventos de Saturno pode ter uma explicação simples. O longo ciclo de estações de Saturno - um ano em Saturno corresponde a cerca de 30 anos terrestres - e a sombra equatorial provocada pelo sistema de anéis no planeta podem ser responsáveis pelo súbito abrandamento dos ventos equatoriais. Em vez de estarem relacionados com o interior profundo de Saturno, os ventos equatoriais podem ser parcialmente um fenómeno na superfície fina da atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
, afectada pelas variações sazonais da luz solar. De facto, a região equatorial de Saturno tem sido a localização de sistemas de tempestades gigantes, tais como os observados em 1990 e 1994. Estes ventos podem ter induzido fortes alterações dinâmicas na atmosfera, talvez resultando no observado enfraquecimento dos ventos equatoriais.

Outra possibilidade é que os ventos medidos por estes astrónomos se encontram a altitudes mais elevadas, onde os ventos têm uma probabilidade elevada de diminuir de intensidade. No artigo da Nature, estes investigadores comentam que os ventos não equatoriais de Saturno permaneceram inalterados durante este período, à semelhança de Júpiter, o que sugere que estes ventos podem ter raízes mais profundas.

Esta equipa já tem novas observações com o Hubble planeadas para o final deste ano. Juntamente com as imagens de alta resolução que serão obtidas pela missão Cassini
Cassini-Huygens (NASA/ESA)
A missão Cassini-Huygens é uma missão conjunta da NASA e da ESA dedicada a Saturno que foi lançada no dia 13 de Outubro de 1997. Esta missão é composta por duas sondas: a sonda Cassini cujo objectivo principal é o estudo de Saturno, da sua atmosfera e do seu campo magnético, e a sonda Huygens cujo objectivo é o estudo da atmosfera do maior satélite de Saturno, Titã. O ponto alto desta missão será sem dúvida o pouso da sonda Huygens na superfície de Titã.
(NASA/ESA), que se espera que chegue a Saturno em meados de 2004, os astrónomos poderão verificar se o padrão actual dos ventos persiste ou, pelo contrário, se modifica ao longo do ciclo das estações de Saturno.

Fonte da notícia: http://www.wellesley.edu/PublicAffairs/Releases/2003/060403.html