XMM-Newton descobre o primeiro pulsar de raios-X na galáxia de Andrómeda

2003-06-12

Imagem do eixo maior de Andrómeda composta por três cores em raios-X. As cores correspondem a raios-X macios (0.3 - 1.0 keV), médios (1.0 - 2.0 keV) e duros (2.0 - 7.0 keV). Podem ver-se numerosas fontes pontuais e difusas de raios-X. No canto inferior esquerdo mostra-se uma imagem óptica de M31. Crédito: S. Trudolyubov, Los Alamos National Laboratory.
Observações recentes da vizinha galáxia de Andrómeda
M31 (NGC 224) - Galáxia de Andrómeda
M31 é a galáxia de Andrómeda, a maior galáxia do chamado Grupo Local de galáxias. É uma galáxia espiral gigante, situada a uma distância de 2,4 milhões de anos-luz.
, também designada por M31, realizadas pelo satélite XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) revelaram centenas de novas fontes de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
. Estas novas observações, que constituem parte do maior levantamento em raios-X em Andrómeda realizado até à data, proporcionam uma visão mais profunda da natureza dos braços espirais
braço espiral
Um braço espiral de uma galáxia é uma estrutura curva no disco de uma galáxia espiral (ou, em alguns casos, de uma galáxia irregular), constituída por estrelas jovens, aglomerados de estrelas, nebulosas, gás e poeiras.
de Andrómeda e da nossa própria Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
.

Ao analisar os novos dados, uma equipa internacional encontrou informação que relaciona dois tipos chave de fontes de raios-X. Estas fontes de raios-X, cuja emissão é discreta ou difusa, traçam o ciclo de vida da nossa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
vizinha, desde a formação de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
até aos remanescentes de supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
.

Uma das descobertas foi a de um resplendor de raios-X muito fraco emitido pelo gás muito quente localizado no disco de Andrómeda. Este gás terá sido, em princípio, aquecido por sucessivas explosões de supernova e ventos provenientes de estrelas de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
. Os primeiros resultados indicam a presença de milhões de massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
de plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
quente no disco de M31. O gás foi encontrado até 8 000 pc
parsec (pc)
O parsec (pc) é uma unidade de distância que equivale à distância a que nos teríamos de colocar para ver a distância Terra-Sol com uma separação angular igual a 1 segundo de arco. 1 parsec = 3,0856x1013 km = 206264,81 unidades astronómicas = 3,26 anos-luz.
do centro de M31, aproximadamente a mesma distancia a que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
está do centro da nossa própria Galáxia.

Outro achado excitante foi a da descoberta de um pulsar de raios-X, uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
fortemente magnetizada que está a absorver material da sua estrela vizinha. A estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, baptizada de XMMU J004415.8+413057, aparenta girar de tal forma que o seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
varia com um período de 198 segundos. Esta estrela é o terceiro objecto que exibe uma modulação em raios-X encontrado em Andrómeda pelo XMM-Newton, e foi o primeiro pulsar a ser descoberto em M31.

A galáxia de Andrómeda, a galáxia espiral gigante mais próxima da nossa, situada a uma distância de apenas 2,5 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, é um lugar único para a astronomia de raios-X. M31 é notavelmente semelhante à nossa Galáxia, sendo frequentemente referida como a sua "irmã gémea". Para as observações realizadas a partir da Terra, ou das suas proximidades, M31 tem a vantagem de ser vista com um certo ângulo, o que permite ver as suas componentes mais claramente do que as da nossa Galáxia. Andrómeda alberga centenas de fontes de raios-X que, devido à orientação favorável da galáxia vizinha, estão menos afectadas pelo obscurecimento provocado pelo gás e poeira interestelares
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
do que as fontes situadas na nossa Galáxia.

Existem dois tipos de fontes de raios-X de especial interesse neste levantamento realizado pelo XMM-Newton, as discretas e as difusas. As fontes discretas em M31 (binários de raios-X e remanescentes de supernova) são registos fósseis da população estelar que marcam o fim da vida das estrelas e que podem ser usados para estudar a história de formação estelar. A emissão de raios-X difusos, distribuída por todo o disco de M31, traça o gás quente aí existente e indica uma formação estelar recente.

As observações realizadas pelo XMM-Newton de 2000 a 2002 permitiram encontrar centenas de fontes discretas de raios-X, das quais mais de 200 foram detectadas pela primeira vez. A análise dos dados permitiu concluir que pouco mais de um terço das fontes pertencem a Andrómeda. Os restantes dois terços correspondem a objectos mais distantes, como núcleos activos de galáxias e quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
, ou simplesmente a estrelas da nossa Galáxia.

A maioria das fontes discretas pertencentes a Andrómeda são sistemas binários. As binárias de raios-X são constituídas por uma estrela normal e uma estrela colapsada (uma estrela de neutrões ou um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
). Estes pares produzem raios-X se as estrelas estão suficientemente próximas uma da outra, de tal forma que o material da estrela normal é arrancado pela gravidade da densa estrela colapsada. Os raios-X vêm da região em redor da estrela colapsada onde o material arrancado, que cai sobre ela, é aquecido a temperaturas elevadíssimas. Ainda que estes pares sejam produzam frequentemente raios-X, não são classificados como pulsares uma vez que não mostram uma emissão pulsante de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
. Conhecem-se cerca de 300 pulsares na nossa Galáxia, mas a maioria emite ondas de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
, por oposição à emissão de raios-X.

Um número significativo de fontes discretas detectadas neste levantamento coincide com remanescentes de supernova identificados opticamente. Quando uma estrela de grande massa explode dando origem a uma supernova, expulsa uma grande quantidade de material (frequentemente muitas vezes a massa do Sol) a milhares de quilómetros por segundo. Este gás de alta velocidade choca com o meio interestelar, aquecendo-o a milhões de graus, produzindo raios-X.

A análise dos dados do XMM-Newton também permitiu encontrar um resplendor de raios-X fraco, extenso e difuso, proveniente do disco de M31. As propriedades espectrais desta componente são muito distintas das da emissão típica das fontes pontuais e indicam que se trata de um gás muito quente, de milhões de graus, concentrado nos braços espirais de Andrómeda. A importância da presença deste plasma quente vai para além do caso de M31, uma vez que esta galáxia é considerada prototípica de uma classe de galáxias espirais, entre as quais se encontra a nossa. Sem o obscurecimento que afecta muitas das linhas de visão ao longo da nossa Galáxia, o caso de M31 proporciona uma oportunidade de entender a natureza da substância que preenche os braços espirais da Via Láctea.

Um conjunto completo de fotografias pode ser visto em:
http://www.nis.lanl.gov/~tsp/press_release_AAS_202_pictures.html


Fonte da notícia: http://www.lanl.gov/worldview/news/releases/archive/03-069.shtml