Descoberta nova galáxia satélite da Via Láctea com órbita retrógrada

2003-05-26

Ilustração da órbita retrógrada da galáxia satélite Complexo H (a vermelho), em relação à órbita do Sol (a amarelo), em torno do centro da Via Láctea. As camadas mais externas do Complexo H estão a ser arrancadas devido à interacção com a Via Láctea. A atmosfera de hidrogénio (a azul) envolve a parte visível da Galáxia (a branco). Crédito: Lockman, Smiley, Saxton; NRAO/AUI.
O Complexo H foi tido, até agora, como um provável vizinho distante da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, pertencente ao grupo de nuvens de alta velocidade e trajectórias imprevisíveis do meio intergaláctico. Estas nuvens são constituídas essencialmente por hidrogénio atómico neutro e encontram-se a grandes distâncias do disco da Via Láctea. Acredita-se que são matéria que sobrou da formação da nossa Galáxia e de outras galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
do Grupo Local
Grupo Local de galáxias
O Grupo Local de galáxias é o enxame de galáxias a que a Via Láctea pertence. É um enxame pequeno, constituído por duas galáxias espirais grandes - Andrómeda e a Via Láctea - e por mais de quarenta pequenas galáxias, muitas só descobertas recentemente.
, e que com o tempo podem ser incorporadas nas grandes galáxias.

Observações recentes, realizadas com o radiotelescópio Robert C. Byrd Green Bank Telescope
Green Bank Telescope (GBT)
O Robert C. Byrd Green Bank Telescope (GBT) é o maior radiotelescópio de uma só antena totalmente dirigível. O prato da antena do GBT mede 100 por 110 metros. O observatório em Green Bank é operado pela NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(National Science Foundation, EUA), vêm agora sugerir que o Complexo H é, afinal, uma galáxia satélite da nossa Via Láctea. O trabalho de investigação, liderado por Jay Lockman do Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA (NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
), será publicado na edição de 1 de Julho da revista da especialidade The Astrophysical Journal Letters.

As nuvens de hidrogénio frias e escuras são observáveis com radiotelescópios devido à radiação electromagnética
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
natural emitida pelo hidrogénio neutro em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
(21 cm). As observações com o Green Bank Telescope (GBT), o maior radiotelescópio manobrável do mundo, permitiram mapear a estrutura do Complexo H com um enorme detalhe, revelando o núcleo denso que se move numa órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
inclinada relativamente ao plano da Via Láctea. Foi ainda detectada uma região difusa à volta do núcleo central, muito menos densa, parecendo uma cauda.

As observações são consistentes com um modelo em que o Complexo H é um satélite da Via Láctea, numa órbita retrógrada que faz um ângulo de 45° com o disco da Via Láctea. O Complexo H está a atravessar a região periférica do disco da Via Láctea e a interacção com a nossa Galáxia leva a que as suas camadas mais externas sejam arrancadas, deixando um rastro em forma da cauda.

Galáxias de grandes dimensões, como a nossa, cresceram com a aglutinação de pequenas galáxias, aglomerados de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
e nuvens de hidrogénio, não sendo, por isso, muito provável encontrarem-se objectos orbitando a Via Láctea que não seja na direcção da rotação desta. Os resultados deste trabalho colocam o Complexo H num pequeno clube de satélites cujas órbitas não seguem a rotação do resto da nossa Galáxia.

Entre os mais proeminentes membros deste clube encontram-se as Nuvens de Magalhães
Nuvens de Magalhães
As Nuvens de Magalhães são duas pequenas galáxias irregulares - a Grande Nuvem de Magalhães e a Pequena Nuvem de Magalhães - que orbitam a nossa galáxia muito próximo de nós e podem ser observadas a partir do hemisfério Sul.
, que também estão a ser afectadas pela interacção com a nossa Galáxia e vão deixando parte do seu gás numa longa cauda, chamada Corrente de Magalhães
Corrente de Magalhães
A Corrente de Magalhães consiste numa banda de hidrogénio neutro que se estende pela órbita das Nuvens de Magalhães. Pode ter sido criada pelo varrimento de gás dessas galáxias aquando da sua passagem através do halo da Via Láctea, provavelmente, e segundo os modelos, há cerca de 200 milhões de anos. Ou então pode ter sido a força de atracção gravitacional diferencial (ou força de maré), exercida pela Via Láctea sobre as Nuvens de Magalhães, a arrancar o gás destas galáxias, o qual formou um rasto na órbita destas.
. Também se conhecem enxames globulares com rotação retrógrada. Tudo indica que, no início da formação da Galáxia, não havia direcção privilegiada, e o Complexo H é provavelmente um vestígio desse período caótico.

Estas novas observações colocam o Complexo H a cerca de 108 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
do centro da Galáxia, com uma extensão de quase 33 000 anos-luz, e contendo uma massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
de hidrogénio equivalente a cerca de 6 milhões de vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. Os primeiros estudos do Complexo H não foram muito frutíferos por este estar a atravessar a Via Láctea na região mais periférica do disco e, consequentemente, a luz por ele emitida ser absorvida pelo gás e poeira que residem nos braços espirais
braço espiral
Um braço espiral de uma galáxia é uma estrutura curva no disco de uma galáxia espiral (ou, em alguns casos, de uma galáxia irregular), constituída por estrelas jovens, aglomerados de estrelas, nebulosas, gás e poeiras.
da nossa Galáxia. Felizmente, a radiação rádio, com comprimentos de onda muito maiores do que a luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
, consegue passar através do gás e poeira intervenientes.

Fonte da notícia: http://www.nrao.edu/pr/2003/complexh/