Um casulo dentro da teia do pulsar Viúva Negra

2003-05-19

B1957+20, o pulsar Viúva Negra. Composição da imagem em raios X obtida pelo Chandra (vermelho e branco) com uma imagem no óptico obtida com o telescópio Anglo-Australiano (verde e azul). A nuvem alongada, a vermelho, é um casulo formado por partículas de alta energia que seguem o pulsar (fonte pontual branca). O movimento do pulsar na nossa galáxia origina uma frente de onda observável em Hα, a verde na imagem. Crédito: raios-X: NASA, CXC, ASTRON, B. Stappers et al.; óptico: AAO, J. Bland-Hawthorn, & H.Jones.
O pulsar B1957+20 recebeu o cognome de Viúva Negra porque está a destruir o seu companheiro por evaporação, através da emissão intensa de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de alta energia. B1957+20 completa uma rotação em 1,6 milésimos de segundos, pertencendo a um grupo de estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
com rotação extremamente rápida, chamados pulsares de milissegundo.

O movimento de B1957+20 na nossa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
, à velocidade de quase um milhão de quilómetros por hora, cria uma frente de choque que se desloca adiante do pulsar, através do meio interestelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
. Atrás da frente de choque, movem-se protões
protão
Partícula que, juntamente com o neutrão, constitui os núcleos atómicos. Todos os átomos têm pelo menos um protão e é o número de protões que determina o elemento químico do átomo. Os protões têm carga eléctrica positiva. Os protões são formados por três quarks (dois u e um d), são bariões (e hadrões), e o seu spin é um número semi-inteiro.
e electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
a alta velocidade, que colidem com os átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de hidrogénio do gás interestelar
gás interestelar
O gás interestelar é constituído pelos átomos, moléculas e iões de elementos, ou substâncias, gasosas presentes no meio interestelar.
, levando-os a emitir radiação
risca H-alfa do hidrogénio
A risca H-alfa (Hα) é uma risca espectral centrada no comprimento de onda de 6562,8 Å originada pelo hidrogénio atómico e corresponde à transição do electrão entre os níveis energéticos n=2 e n=3. É a primeira transição da série de Balmer - conjunto de transições do nível n=2 para níveis mais energéticos.
. Observações em Hα permitem assim detectar a frente de choque (a verde na imagem ao lado).

Agora, o observatório de raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) mostra o que os telescópios ópticos não vêem: uma segunda onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
. Esta onda de choque secundária é criada pela pressão exercida pelo vento do pulsar. Dentro da frente de choque primária, o pulsar gera um vento de partículas de matéria e de anti-matéria de alta energia, que se afasta do pulsar em todas as direcções quase à velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
. Este vento de partículas forma uma cavidade oval, uma espécie de casulo à volta do pulsar, alongada na direcção do movimento. A uma certa distância do pulsar, este vento é desacelerado e a sua velocidade iguala a do meio que o rodeia. O processo de desaceleração cria a radiação de sincrotrão que é detectável em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
(a vermelho na imagem ao lado).

Os cientistas acreditam que os pulsares de milissegundo são estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
muito velhas que aumentaram a velocidade de rotação por terem roubado matéria aos seus companheiros. Tal como empurrar um carrossel fá-lo rodar mais rapidamente, a força exercida na estrela de neutrões, resultante da acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
de matéria a um ritmo constante, acelera a rotação.

O resultado é um objecto com cerca de 1,5 vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
e apenas 15 quilómetros de diâmetro, que roda centenas de vezes por segundo. A idade avançada, a rotação muito rápida e o campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
relativamente fraco dos pulsares de milissegundo coloca-os numa classe totalmente à parte dos pulsares jovens observados nas remanescentes de explosões de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. Contudo, geram partículas de alta energia, tal como os seus irmãos mais jovens.

Pensa-se que a chave para compreender este fenómeno reside na rápida rotação destes pulsares. Esta observação do Chandra vem apoiar a teoria que até uma estrela de neutrões fracamente magnetizada, desde que possua uma velocidade de rotação muito elevada, pode gerar forças electromagnéticas intensas que aceleram partículas a alta energia e criam um vento do pulsar.

Esta é a primeira detecção de uma estrutura de duplo choque à volta dum pulsar e constitui a primeira evidência directa de um casulo alongado de partículas de alta energia. Espera-se que permita aos astrónomos testar teorias da dinâmica dos ventos do pulsar e a sua interacção com o ambiente que o rodeia.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/03_releases/press_022703.html