Como se formaram os elementos químicos da tabela periódica?

2003-05-08

Ilustração do alinhamento dum quasar com uma galáxia. A luz proveniente do quasar é, em parte, absorvida pela galáxia interveniente, de forma que o espectro do quasar, observado na Terra, possui a assinatura da composição química da galáxia. Os objectos não se encontram, obviamente, à escala.
Pensa-se que só os elementos químicos
elemento químico
Elemento composto por um único tipo de átomos. Os elementos químicos constituem a Tabela Periódica.
mais leves - hidrogénio, hélio e lítio - foram produzidos no Big Bang. Parte dos outros elementos são produzidos no interior das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, onde as condições de temperatura e densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
elevadas são propícias à fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de elementos leves em elementos mais pesados. As estrelas produzem elementos diferentes em diferentes etapas da sua vida. Durante a explosão de supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, mais elementos, como por exemplo os mais pesados, são produzidos. Vários mecanismos, desde os ventos estelares às explosões de supernovas, fazem com que os elementos formados nas estrelas se misturem com o gás interestelar
gás interestelar
O gás interestelar é constituído pelos átomos, moléculas e iões de elementos, ou substâncias, gasosas presentes no meio interestelar.
, que eventualmente irá dar origem a novas estrelas e planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
.

A maioria do nosso conhecimento sobre a nucleossíntese (o processo pelo qual os elementos se formam) resultou de estudos realizados em estrelas pertencentes à nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
e a algumas (poucas) galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
vizinhas. No método tradicional, a análise refere-se apenas à luz emitida pela estrela e à absorção
absorção de radiação
A absorção de radiação é um decréscimo da intensidade da radiação devido à energia dispendida na excitação ou ionização de átomos e moléculas do meio que atravessa.
que os elementos químicos que compõem a estrela provocam no espectro estelar.

Mas em alternativa, pode-se estudar a absorção da luz estelar por parte do gás interestelar. Por exemplo, a análise do espectro de luz
espectro electromagnético
O espectro electromagnético é a gama completa de comprimentos de onda da radiação electromagnética. Divide-se usualmente nas bandas dos raios gama, raios-X, ultravioleta, visível, infravermelho, submilímetro, milímetro, microondas (comprimentos de onda da ordem do centímetro) e rádio (comprimentos de onda superiores ao metro).
de uma estrela brilhante da nossa Galáxia revela a assinatura de absorção do gás interestelar entre a estrela e o observador, o que permite medir a abundância de elementos
abundância química
A abundância química de um determinado elemento químico é o número relativo de átomos ou isótopos desse elemento num objecto ou estrutura.
no gás que permeia a Via Láctea.

Esta técnica pode ser utilizada em outras galáxias se se identificar um quasar
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
distante que se encontre por detrás da galáxia e alinhado com esta. Os quasares são objectos extremamente brilhantes que possuem um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada no seu centro. Aplicando a técnica à Via Láctea e a galáxias vizinhas, as assinaturas de absorção pela galáxia encontram-se na região do espectro dos ultravioletas
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
, o que torna as observações muito difíceis, pois a atmosfera terrestre
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
absorve grande parte da radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
ultravioleta.

Ironicamente, a técnica aplica-se mais facilmente a galáxias distantes, pois a expansão do Universo provoca o desvio do espectro para o vermelho (isto é, para maiores comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
) devido ao efeito Doppler. Em galáxias que se encontrem muito longe, digamos 10 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, as assinaturas de absorção dos elementos pertencentes à galáxia são desviadas do ultravioleta para a região dos comprimentos de onda do visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
. A análise da assinatura de uma galáxia interveniente na luz de um quasar distante fornece assim informação sobre as galáxias que são, normalmente, de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
demasiado débil para serem observadas directamente.

J. Prochaska (Universidade da Califórnia em Santa Cruz, EUA), J. Howk e A. Wolfe (Universidade da Califórnia em São Diego, EUA) descrevem num artigo publicado na revista científica Nature a 1 de Maio, 2003, uma galáxia jovem na qual eles conseguiram estudar a assinatura de muitos elementos químicos. A galáxia encontra-se a vários milhares de milhões de anos-luz, o que dá aos astrónomos a oportunidade de olhar para o Universo jovem.

A galáxia foi primeiro identificada graças a uma depressão característica no espectro do quasar, provocada pelo gás de hidrogénio da galáxia. Os investigadores procuraram então assinaturas de outros elementos químicos e encontraram-nas para 25 elementos. Nunca antes tinham tido informação de tantos elementos para galáxias assim distantes.

Muitos dos elementos adicionais revelam informação sobre como as estrelas se estão a formar, como os elementos químicos se formam, e ainda sobre a idade da galáxia. Nesta galáxia, as abundâncias relativas dos elementos químicos são muito semelhantes às da nossa Galáxia, o que é reconfortante, pois indica que os vários processos de nucleossíntese comportam-se como na Via Láctea. As diferenças nas abundâncias revelam que a jovem galáxia tem uma idade de cerca de um ou dois mil milhões de anos - compare-se com os 10 mil milhões de anos da Via Láctea.

As observações iniciais foram realizadas com o espectrógrafo ESI no telescópio de 10 metros Keck II
W. M. Keck Observatory
O Observatório W. M. Keck é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e pela NASA, e encontra-se localizado em Mauna Kea, no Havai. O observatório é constituído por dois telescópios gémeos de 10 metros, o Keck I e o Keck II.
no Observatório de Mauna Kea (Havai, EUA). Para as observações que se seguiram, utilizaram o espectrógrafo de alta resolução HIRES no outro telescópio de 10 metros, Keck I.

Esta descoberta mostra ainda que é possível aplicar o método a um largo conjunto de galáxias muito distantes, como esta, e os investigadores esperam obter informações únicas sobre a formação dos elementos químicos no Universo.

Fonte da notícia: http://www.ucsc.edu/news_events/press_releases/text.asp?pid=336