Provas directas relacionam fulgurações de raios gama com explosões de supernova

2003-04-25

Localização de GRB030329, antes (em cima) e depois (em baixo) da fulguração. A galáxia anfitriã da fulguração encontra-se demasiado distante e é demasiado ténue para ser vista. Crédito: Peter Challis, Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics.
Imagine uma explosão cósmica tão poderosa que brilha através de todo o Universo. É o caso das fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
. Agora, à semelhança dos investigadores policiais, um grupo de astrónomos reuniu provas que apontam para a fonte destas fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
cósmicas.

As investigações começaram a 29 de Março quando o satélite HETE
High Energy Transient Explorer (HETE)
Satélite da NASA, colocado em órbita a 9 de Outubro de 2000, concebido para efectuar o primeiro estudo, em múltiplos comprimentos de onda, das fulgurações de raios gama, possuindo instrumentos sensíveis aos raios ultravioleta, raios-X, e raios gama. Uma característica única deste observatório é a capacidade de localizar fulgurações de raios gama com uma precisão de 10 segundos arco e de, quase em tempo real, enviar a posição medida para uma rede de observatórios terrestres, o que permite uma rápida monitorização no rádio, infravermelho e visível.
(acrónimo de High-Energy Transient Explorer, da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) descobriu uma das fulgurações de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
mais brilhantes e próximas até agora registadas, GRB 030329. Durante 30 segundos, esta fulguração localizada na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Leão brilhou em raios gama mais que todo o Universo. Duas horas depois, o seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
nos comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
do óptico era ainda mais que um bilião de vezes o do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
.

Através de observações do pós-clarão realizadas nas noites seguintes, foram encontrados indícios de uma supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. A equipa ainda não foi capaz de determinar se um fenómeno precedeu o outro ou se foram simultâneos, mas o mesmo acontecimento - a explosão de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
- esteve certamente na origem de ambos.

As fulgurações de raios gama são flashes de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de alta energia, incrivelmente brilhantes e que provavelmente assinalam o nascimento de buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
. As fulgurações ocorrem em direcções aleatórias espalhadas pelo céu e poucas duram mais de um minuto, o que torna a sua observação um desafio.

Uma supernova é a explosão de uma estrela cuja massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
é, pelo menos, oito vezes a do Sol. Quando estas estrelas esgotam o seu combustível nuclear, deixam de ter energia para sustentar a sua massa e os seu núcleos implodem dando origem a uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
, ou, se a massa for suficiente, a um buraco negro.

A equipa baseou-se em observações realizadas principalmente pelo telescópio MMT de 6,5 metros (Mount Hopkins, EUA) para encontrar provas directas de que a luz do pós-clarão apresenta os mesmos padrões que a luz proveniente de uma supernova. Nomeadamente, encontraram mudanças na luz absorvida por átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de silício e de ferro, fabricados na supernova, à medida que o pós-clarão vai lentamente diminuindo de brilho.

Observações anteriores, em particular as obtidas pelo observatório espacial de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA), tinham já fornecido provas convincentes, mas indirectas, da ligação entre fulgurações de raios gama e supernovas. Chandra detectou ferro e outros elementos pesados que são produzidos em supernovas, na vizinhança de fulgurações de raios gama (ver notícia no Portal do Astrónomo em 3/4/2003).

É plausível que todas as fulgurações de raios gama estejam associadas a supernovas, simplesmente o brilho das supernovas é demasiado fraco para serem observadas. Esta fulguração foi uma das mais próximas, a apenas dois mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, enquanto que a maioria das outras fulgurações ocorrem para além de dez mil milhões de anos-luz. Assim, foi devido à proximidade e ao brilho da fulguração que se pôde detectar a supernova.

O material foi ejectado pela explosão a velocidades tão elevadas que é possível que a fonte da fulguração de raios gama seja, na realidade, uma hipernova - uma explosão dez vezes mais potente que a de uma supernova típica.

Fonte da notícia: http://cfa-www.harvard.edu/press/pr0311.html