Descoberto planeta extra-solar de menor período orbital

2003-04-22

Em cima: variação da velocidade da estrela OGLE-TR-3, medida pelos espectros obtidos com o UVES, em função da fase fotométrica - o trânsito do planeta ocorre na fase 0 e de novo na fase 1. A curva a cheio representa o melhor ajuste aos dados observacionais, donde se deriva a massa do planeta. Em baixo: variação do brilho - curva de luz - da estrela OGLE-TR-3, obtida pelo projecto OGLE. As cruzes representam as observações; a linha a cheio representa o ajuste de um modelo, com os parâmetros estelares determinados pela análise dos espectros obtidos com o UVES (1 raio solar e 1 massa solar) e os parâmetros planetários determinados pela análise das velocidades (0,6 massa de Júpiter). Crédito: ESO.
Actualmente, conhecem-se mais de 100 planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
em órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de outras estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que não o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Estes exoplanetas
planeta extra-solar
Um planeta extra-solar é um planeta que não orbita o nosso Sol.
abrangem toda uma variedade de tamanhos e órbitas. Alguns possuem 5 a 10 vezes a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
do maior planeta do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
, enquanto que o de menor massa até agora descoberto tem aproximadamente metade da massa de Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
, ou seja, cerca de 50 vezes a massa da Terra. Alguns orbitam muito próximo da estrela central, outros mais longe, e as próprias órbitas ora são quase circulares, ora bastante elípticas.

A procura de planetas extra-solares não é um fim em si mesmo. Pretende-se aprender mais sobre a aparente diversidade de sistemas planetários e, eventualmente, encontrar um exoplaneta semelhante à nossa Terra. Neste contexto, é essencial podermos caracterizar não só as órbitas dos planetas extra-solares, mas também determinar as suas verdadeiras massas. E isso é extremamente difícil.

Até agora, virtualmente todos os planetas extra-solares foram descobertos através dum método indirecto: a medição de variações na velocidade da estrela central, causadas pelo efeito gravitacional do planeta na estrela. Esta técnica continua a evoluir rapidamente, com um novo espectrógrafo de alta resolução dedicado a esse objectivo, o HARPS (acrónimo de High Accuracy Radial Velocity Planet Searcher). Em fase de testes no telescópio de 3,6 metros do ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
(Observatório de La Silla, Chile), o HARPS mede movimentos estelares com uma precisão de 1 m/s e, em breve, possibilitará a detecção de planetas extra-solares de massa apenas ligeiramente superior à massa da Terra.

Contudo, a simples medição de variações de velocidade não permite determinar a verdadeira massa de um planeta. Sem o conhecimento da inclinação da órbita
inclinação de uma órbita
A inclinação da órbita de um astro é definida pelo ângulo entre o plano orbital do astro e outro plano de referência. No caso de um planeta do Sistema Solar, o plano de referência é o plano da órbita terrestre; no caso de um satélite, a referência é geralmente o plano equatorial do planeta.
do planeta relativamente à linha de visão, apenas se pode calcular um limite inferior para a massa do planeta.

Sempre que a órbita de um planeta faz com que, quando observado da Terra, este passe em frente à estrela que ele orbita, diz-se que o planeta transita. No nosso Sistema Solar, observamos o trânsito
trânsito
Designa-se por trânsito a passagem de um objecto astronómico à frente do disco de um objecto maior e mais longínquo. Por exemplo, o trânsito de Vénus diante do Sol.
dos planetas interiores - Mercúrio
Mercúrio
Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol. É o mais pequeno dos planetas rochosos, com um diâmetro cerca de 40% menor do que o da Terra.
e Vénus
Vénus
É o segundo planeta mais próximo do Sol. Em termos de dimensões e massa é muito semelhante à Terra. A sua caracteristica mais marcante é possuir uma atmosfera de CO2 muito densa e um efeito de estufa muito intenso.
- quando estes passam à frente do disco solar. Durante o trânsito de um planeta extra-solar, o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
da estrela que ele orbita decresce ligeiramente, pois o planeta bloqueia parte da luz proveniente da estrela. O estudo da variação do brilho da estrela com o tempo, chamada curva de luz, combinado com medições de velocidades radiais, permite determinar completamente a órbita do planeta, incluindo a sua inclinação. Com esta informação, determina-se com precisão o tamanho do planeta e a sua verdadeira massa, donde se deduz a sua densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
.

O OGLE (acrónimo de Optical Gravitational Lensing Experiment) é um extenso programa de fotometria que procura objectos planetários ou de baixa luminosidade
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
que transitam estrelas do disco da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. No ano passado, a equipa do OGLE apresentou uma primeira lista de 59 estrelas candidatas a possuirem planetas que transitam. Estas estrelas foram seleccionadas de uma amostra de cerca de 5 milhões de estrelas observadas em 32 dias, por exibirem uma perda regular de brilho compatível com o trânsito de um exoplaneta. Pouco tempo depois, uma equipa de astrónomos norte-americanos observou uma das estrelas candidatas, OGLE-TR-56, e detectou pequenas variações de velocidade, ou seja, uma forte indicação da presença de um planeta à sua volta.

Agora, uma equipa de astrónomos do Observatório Europeu do Sul (ESO) e da Alemanha utilizou o espectrógrafo de alta resolução UVES, montado num dos telescópios de 8,2 m do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(Observatório do Paranal, Chile), para obter espectros detalhados de outra estrela da lista, a OGLE-TR-3. Durante um mês, obtiveram um total de 10 espectros, cada um resultante de uma hora de exposição. OGLE-TR-3 é uma estrela de magnitude visual
magnitude aparente visual
Magnitude aparente visual é a magnitude aparente de um astro na banda do visível, nos comprimentos de onda compreendidos entre os 500 e 600 nanómetros. A olho nu, podemos observar estrelas até à magnitude aparente visual 6.
16,5 e do tipo semelhante ao Sol, com uma temperatura à superfície próxima de 5800°C. Os espectros revelaram ainda que a sua velocidade radial sofre variações da ordem dos 120 m/s.

O programa OGLE tinha determinado que o brilho desta estrela diminui de 2% em cada 28 horas e 33 minutos. As velocidades medidas nos espectros obtidos pelo UVES revelam que este período é um bom ajuste a estes novos dados e existe uma elevada probabilidade da presença de um exoplaneta orbitando OGLE-TR-3 em 28h33m. As observações excluem definitivamente a hipótese de que as variações de brilho possam dever-se a uma pequena estrela companheira: uma estrela anã
estrela anã
Uma estrela anã, também dita estrela da sequência principal, é uma estrela não evoluída, que ainda se encontra na fase de fusão do hidrogénio em hélio, no seu núcleo.
vermelha e uma anã castanha
anã castanha
A anã castanha é uma estrela falhada cuja massa é insuficiente para permitir a fusão nuclear do hidrogénio em hélio no seu centro. No início das suas vidas, as anãs castanhas têm a fusão de deutério no seu núcleo central. Mesmo depois de esgotarem o deutério, as anãs castanhas radiam por conversão de energia potencial gravítica em calor e, como tal, emitem fortemente no domínio do infravermelho. De acordo com modelos, a massa máxima que uma anã castanha pode ter é de 0,08 massas solares (ou 80 massas de Júpiter). Estes objectos representam o elo que falta entre as estrelas de pequena massa e os planetas gasosos gigantes como Júpiter.
causariam, respectivamente, variações de velocidade de 15 km/s e de 2,5 km/s; em ambos os casos, as variações seriam facilmente detectadas nos espectros obtidos pelo UVES.

Embora as observações disponíveis sejam ainda insuficientes para permitir uma determinação exacta das propriedades do exoplaneta, os astrónomos deduziram, provisoriamente, que a sua massa é aproximadamente 0,6 vezes a massa de Júpiter e o diâmetro é cerca de 200 000 km, ou seja, 1,4 vezes o de Júpiter. Assim, a sua densidade será cerca de 250 kg/m3 (um quarto da densidade da água, ou um quinto da densidade de Júpiter), de forma que se trata de um planeta gigante gasoso
planeta joviano
Designam-se por planetas jovianos aqueles que se assemelham a Júpiter, ou seja, planetas gigantes com superfícies gasosas. No Sistema Solar, são planetas jovianos Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno.
.

O período orbital
período orbital
O tempo necessário para que um corpo descreva uma órbita completa e fechada em torno de outro corpo.
de 28h33m é o menor até agora conhecido para um exoplaneta. Apenas a 3,5 milhões de quilómetros da estrela OGLE-TR-3, a temperatura do lado do planeta voltado para a estrela tem de ser muito elevada, da ordem dos 2000°C, e o planeta deve estar a perder a sua atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
por evaporação. Os astrónomos concluíram ainda que o exoplaneta poderá ser observável em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
dos infravermelhos
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
, e tencionam tentar fazê-lo em breve.

OGLE-TR-3 é somente o terceiro planeta extra-solar ao qual é aplicado o método do trânsito, depois das estrelas HD209458 e OGLE-TR-56. Mas é, mais uma vez, um planeta gigante numa órbita muito próxima da estrela central. Acredita-se que estes planetas não se podem ter formado assim perto das estrelas que orbitam, mas ter-se-ão formado mais longe e, por algum efeito ainda desconhecido, terão migrado para estas órbitas tão próximas.

Espera-se que OGLE-TR-3 e OGLE-TR-56 sejam apenas os primeiros 2, de um número substancial de exoplanetas, a serem descobertos pelo método do trânsito. Dentro de alguns anos, um forte contributo também será dado pelas campanhas observacionais realizadas a partir de observatórios espaciais, como por exemplo, o Eddington e o Darwin, da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
, e o Kepler, da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-09-03.html