Quasares: afinal nem todo o material do disco de acreção está condenado a cair no buraco negro!

2003-04-09

Os quasares APM 08279+5255 e PG 1115+080 vistos, em raios-X, pelo Chandra. Em ambos os casos, a imagem do quasar aparece repetida (mais do que uma vez no caso do quasar PG 1115+080) devido ao efeito de lente gravitacional. Crédito: NASA/CXC/G. Chartas et al.
Os buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
extremamente elevada, residentes nos núcleos das galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
ditas activas e reconhecidamente capazes de arrancar e engolir a matéria que compõe as estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, podem igualmente ajudar a semear o meio interestelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
com os elementos necessários à vida, como o hidrogénio, carbono, oxigénio, e ferro. Usando os satélites de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) e XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), cientistas da Universidade Estatal da Pensilvânia (EUA) e do Instituto de Tecnologia do Massachussetts (EUA) descobriram em dois quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
a presença de ventos de alta velocidade, produzidos pelos buracos negros, que ejectam enormes quantidades de gás dos seus núcleos.

A equipa de investigadores estudou os quasares APM 08279+5255 e PG 1115+080. Estes quasares encontram-se a uma distância superior a 5 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
: APM 08279+5255 possui um desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
de z=3,91, enquanto que PG 1115+080, estando mais próximo, possui um desvio menor, z=1,72. As imagens de APM 08279+5255 e PG 1115+080 foram naturalmente ampliadas por efeito de lente gravitacional
efeito de lente gravitacional
O efeito de lente gravitacional consiste na deflexão da luz provocada pelo campo gravitacional muito forte de um objecto que se encontra entre o observador e a fonte de luz. Por exemplo, uma galáxia, ou um enxame de galáxias, que se encontre entre nós e um objecto astronómico muito distante, como um quasar, pode actuar como uma lente gravitacional. Tipicamente, o efeito de lente gravitacional faz com que se observe, numa única fotografia, mais do que uma imagem do mesmo objecto.
, por um factor de cerca de 100 e 25, respectivamente. Isto quer dizer que, no seu trajecto até nós, a luz proveniente destes objectos foi desviada e amplificada pelo campo gravitacional de galáxias que actuaram como lentes dum telescópio. Esta ampliação, combinada com as capacidades dos telescópios de raios-X utilizados, permitiu aos cientistas estimar propriedades importantes destes objectos, em particular a velocidade do gás que absorve a luz emitida, bem como a proximidade desse gás ao buraco negro central.

Estimativas da massa da matéria ejectada apontam, em ambos os casos, para cerca de mil milhões de massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
, ao longo de todo o tempo de vida dos quasares. Os ventos gerados pelos buracos negros podem ejectar material do disco de acreção
disco de acreção
Disco composto por gás e poeira interestelares que pode circundar buracos negros, estrelas de neutrões, variáveis cataclísmicas, ou estrelas em formação.
que, até agora, se julgava ser o meio de transporte, sem retorno, do material para o buraco negro. Por outro lado, de acordo com estes cientistas, os ventos podem mesmo regular o crescimento dos buracos negros e promover o nascimento de novas estrelas. Estes ventos, diferentes dos já conhecidos jactos de partículas subatómicas a partir dos pólos dos buracos negros, segundo a direcção do seu eixo de rotação, são originados no disco de acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
em órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
do buraco negro.

Alguns teóricos sugerem que tais ventos, produzidos por pressão de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
, podem, de facto, ejectar material do disco de acreção, alimentando o meio interestelar com elementos pesados. As observações agora efectuadas permitem concluir que os ventos transportam quantidades significativas de elementos pesados como carbono, oxigénio e ferro para o meio interestelar e intergaláctico, a uma velocidade igual a 40% da velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
, bem maior do que se previa.

Esta descoberta irá seguramente desencadear novos modelos teóricos sobre ventos produzidos por buracos negros e o seu efeito na vizinhança. Em particular, poderão surgir novas pistas sobre a relação entre a massa dos buracos negros galácticos e o tamanho do bojo da galáxia anfitriã.

Fonte da notícia: http://www.science.psu.edu/alert/Chartas3-2003.htm