GRB 020813: Confirma-se a relação entre fulgurações de raios gama e supernovas

2003-04-03

As observações do pós-clarão da fulguração de raios gama, GRB 020813, realizadas pelo satélite Chandra, revelaram uma sobre-abundância de elementos tipicamente ejectados numa explosão de supernova. Nesta ilustração mostra-se como um jacto de partículas de alta energia interage com a casca da bolha em expansão provocada pela supernova. Este mecanismo pode ser a origem do pós-clarão da fulguração de raios gama. Crédito: CXC/M.Weiss.
Cientistas confirmaram que uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
está relacionada com a morte de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
. Este resultado, baseado em observações obtidas com o observatório de raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
), constitui um passo importante para o entendimento da origem das fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
: o fenómeno mais violento que se conhece no Universo actual.

Chandra pôde obter uma observação invulgarmente longa (21 horas) do pós-clarão de GRB 020813, assim chamada porque foi descoberta pelo High-Energy Transient Explorer (EUA, Japão, França, e Itália) em 13 de Agosto de 2002. Um espectrógrafo colocado a bordo do Chandra revelou uma sobre-abundância de elementos que são característicos de uma supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. Riscas espectrais finas, ou bossas, devidos a iões
ião
Átomo ou molécula que perdeu ou ganhou um ou mais electrões.
de silício e de enxofre, foram identificados de uma forma clara no espectro de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
de GRB 020813.

Segundo Nathaniel Butler (Instituto de Tecnologia do Massachussetts, EUA), o primeiro autor do artigo onde se apresenta esta descoberta, a observação de GRB 020813 apoia duas das características mais importantes do modelo da chamada supranova, um dos modelos que tenta explicar a origem das fulgurações de raios gama. Muito provavelmente, uma estrela de massa extremamente elevada explodiu, como supernova, menos de dois meses antes da fulguração de raios gama e a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
proveniente dessa fulguração foi "canalizada" num feixe estreito em forma de cone.

A análise dos dados mostrou que os iões se afastavam do local da fulguração a um décimo da velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
, provavelmente como parte de uma camada de matéria ejectada pela explosão da supernova. As riscas espectrais
risca espectral
Uma risca espectral pode ser uma risca brilhante - risca de emissão - ou uma risca escura - risca de absorção - num espectro de luz. A emissão de radiação (no caso da risca de emissão), ou a absorção de radiação (no caso da risca de absorção), num determinado comprimento de onda, é causada por uma transição atómica ou molecular. O estudo das riscas espectrais permite caracterizar a composição química e as condições físicas do meio que as produz.
apresentam picos estreitos, indicando que provêm de uma região fina da camada em expansão. Isto implica que apenas uma pequena fracção da camada foi iluminada pela fulguração de raios gama, tal como seria de espera se a fulguração estivesse "canalizada" num cone estreito. A duração da fase de pós-clarão sugere um atraso de cerca de 60 dias entre a supernova e a fulguração de raios gama.

O modelo da supranova envolve um processo de dois passos: o primeiro passo consiste no colapso do núcleo de uma estrela de massa extremamente elevada, acompanhado pela ejecção das camadas exteriores da estrela. O núcleo colapsado forma um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
, que gira rapidamente, rodeado por um disco de matéria (disco de acreção
disco de acreção
Disco composto por gás e poeira interestelares que pode circundar buracos negros, estrelas de neutrões, variáveis cataclísmicas, ou estrelas em formação.
). No segundo passo, este sistema buraco negro/disco gera um jacto de partículas de alta energia. As ondas de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
que se originam dentro do jacto produzem as fulguração de raios-X e raios gama que se observam durar apenas uns minutos. A interacção do jacto com a camada ejectada pela supernova produz o pós-clarão em raios-X, o qual pode durar dias ou mesmo meses. A razão do atraso entre a formação do buraco negro e a produção do jacto é ainda desconhecida.

Observações anteriores com os satélites ASCA (Japão), Beppo-SAX (Itália e Holanda), XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), e Chandra, têm dado alguma indicação da presença de elementos esperados na camada ejectada por uma supernova. No entanto, a quantidade de raios-X detectados nessas observações era pequena, deixando sempre a possibilidade de que as riscas espectrais que se encontravam fossem resultantes de efeitos instrumentais ou de flutuações estatísticas. Como Chandra foi capaz de observar os raios-X de GRB 020813 durante quase um dia, detectou cinco vezes mais raios-X que as observações anteriores, o que permitiu à equipa de investigadores identificar as linhas espectrais de silício e de enxofre de uma forma definitiva.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/03_releases/press_032403.html