Estruturas do tamanho de uma bola de praia parecem originar fulgurações em pulsares

2003-03-28

A nebulosa do Caranguejo, localizada na constelação do Touro, é o resto de uma supernova que se observou na Terra em 1054 D.C. A nebulosa tem um diâmetro de aproximadamente 10 anos-luz e está situada a cerca de 6000 anos-luz da Terra. Actualmente expande-se a uma taxa de uns 1000 km/s. No centro da nebulosa encontra-se um pulsar (estrela de neutrões em rotação muito rápida), não visível na imagem. Crédito: NRAO/AUI and M. Bietenholz.
Uma equipa de astrónomos descobriu que as poderosas fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
emitidas no rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
por pulsares são produzidas por estruturas tão pequenas como uma bola de praia. Esta descoberta constitui um grande avanço no entendimento daquilo que um dos elementos da equipa classifica como "um dos ambientes mais exóticos do Universo".

Segundo Tim Hankins (Instituto de Tecnologia do Novo México, EUA), que lidera a equipa de investigação que se tem dedicado a estudar o pulsar no centro da nebulosa
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
do Caranguejo - situada a mais de 6000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra -, estas estruturas são os objectos menores alguma vez detectados fora do sistema solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
. As pequenas dimensões destas regiões são incompatíveis com todas as teorias que tentam explicar a produção da emissão rádio, excepto uma.

Os pulsares são estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
superdensas, remanescentes de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
que explodiram como supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, que emitem potentes feixes de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
em radiofrequência. À medida que a estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
gira, o feixe varre o espaço tal como a luz de um farol e, quando um feixe passa na direcção da Terra, os astrónomos observam um "impulso". O pulsar do Caranguejo gira cerca de 33 vezes por segundo.

Os pulsares foram descobertos em 1967 por astrónomos britânicos, um dos quais recebeu o Prémio Nobel pela descoberta. Desde então o processo pelo qual os pulsares produzem os seus potentes feixes de radiação electromagnética tem permanecido um mistério.

Com a ajuda de engenheiros no NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
(do inglês National Radio Astronomy Observatory, EUA), a equipa de Hankins desenhou e construiu um equipamento electrónico especial que permitiu estudar os impulsos de rádio, produzidos pelo pulsar, em escalas de tempo extremamente pequenas. O equipamento foi montado no gigantesco radiotelescópio de 1000 pés
pé (ft)
O pé (ft) é uma unidade de comprimento do sistema inglês, equivalente a doze polegadas: 1ft = 12 in = 30,480 cm.
(304 metros) situado em Arecibo (Porto Rico), permitindo analisar os impulsos fortíssimos do pulsar do Caranguejo, decompondo-os em minúsculos segmentos temporais.

As observações revelaram que alguns dos fortíssimos impulsos continham subimpulsos com durações menores que 2 nanossegundos. Segundo os investigadores, isto significa que as regiões onde se produzem os subimpulsos não podem ser maiores que uns 60 centímetros, uma vez que corresponde à distância que a luz percorre em 2 nanossegundos. Este facto é de uma importância crítica para entender como a potente emissão rádio é produzida.

A magnetosfera
magnetosfera
Magnetosfera é a região em torno de um objecto celeste ocupada pelo seu campo magnético.
do pulsar - a região acima dos pólos magnéticos da estrela, onde as ondas de rádio são produzidas - é um dos ambientes mais exóticos do Universo. Neste ambiente, a matéria existe sob a forma de plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
, no qual partículas livres com carga eléctrica reagem aos fortíssimos campos, eléctrico e magnético, da atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
da estrela. Os brevíssimos subimpulsos detectados só podem ser gerados por um estranho processo no qual ondas de densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
do plasma interagem com o seu próprio campo eléctrico, tornando-se progressivamente mais densas, até alcançar um ponto em que colapsam de forma "explosiva" produzindo fulgurações de ondas de rádio. Nenhum dos mecanismos alternativos propostos consegue produzir impulsos tão breves.

O pulsar do Caranguejo é um dos 3 pulsares que se sabe emitirem impulsos fortíssimos. Este tipo de impulso dá-se ocasionalmente entre os impulsos normais, mais regulares e mais fracos. O brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
em rádio de alguns dos breves subimpulsos do pulsar do Caranguejo é apenas superado pelo Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, e são tão fortes que o presente equipamento os poderia detectar ainda que fossem provenientes de uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
próxima. Ainda que o mecanismo que converte a energia do plasma em ondas rádio nos impulsos fortes do pulsar do Caranguejo possa ser específico deste pulsar, é concebível que todos os pulsares possam funcionar do mesmo modo. A equipa de investigadores está agora a observar sinais provenientes de outros pulsares para ver se são fundamentalmente diferentes.

A nebulosa do Caranguejo é uma nuvem brilhante com os restos de uma estrela que se viu explodir a 4 de Julho de 1054. Astrónomos Chineses notaram a presença de uma nova estrela que superava Vénus
Vénus
É o segundo planeta mais próximo do Sol. Em termos de dimensões e massa é muito semelhante à Terra. A sua caracteristica mais marcante é possuir uma atmosfera de CO2 muito densa e um efeito de estufa muito intenso.
em brilho, sendo inclusivamente visível de dia durante 23 dias! Uma gravação na pedra existente em Chaco Canyon, Novo México (EUA), indica que provavelmente os nativos americanos também notaram a presença deste objecto no céu.

A nebulosa foi descoberta por John Bevis em 1731 e independentemente redescoberta por Charles Messier em 28 de Agosto de 1758. Messier fez da nebulosa do Caranguejo (assim chamada pela sua forma semelhante a um caranguejo) o primeiro objecto do seu famoso catálogo de objectos não-estelares.

Em 1948 descobriu-se a emissão rádio proveniente da nebulosa, e em 1968 descobriu-se o pulsar existente no coração da nebulosa. No ano seguinte foram também descobertos impulsos de luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
vindos do pulsar, fazendo deste o primeiro pulsar no qual se encontrou emissão visível para além das ondas de rádio.

Fonte: http://www.aoc.nrao.edu/epo/pr/2003/pulsaremission/