Um buraco negro nos confins do Universo

2003-03-25

Espectro de SDSS J1148+5251 obtido com o espectrómetro UIST no telescópio UKIRT. A largura da risca de Mg II permitiu inferir a massa do buraco negro central, enquanto que o comprimento de onda observado dessa mesma risca permitiu determinar o desvio para o vermelho do quasar. Crédito: C. Willot, R. McLure & M. Jarvis 2003, ApJ, 587, L15.
Os quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
são objectos peculiares, que libertam uma extraordinária quantidade de energia, em cada segundo, a partir duma região do espaço que é extremamente pequena. Hoje acredita-se que no centro dos quasares se encontra um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
muito elevada, em torno do qual o material circundante se vai acumulando gradualmente num disco, denominado disco de acreção
disco de acreção
Disco composto por gás e poeira interestelares que pode circundar buracos negros, estrelas de neutrões, variáveis cataclísmicas, ou estrelas em formação.
. É a queda de grandes quantidades de gás no buraco negro a um ritmo elevado que provoca a libertação de energia tão extrema e define o quasar. O brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
excepcional característico dos quasares permite que sejam observados a grandes distâncias.

Uma equipa de astrónomos do Canadá e do Reino Unido, liderados por C. Willot (Instituto de Astrofísica Herzberg, Canadá), obteve espectros da radiação infravermelha
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
do quasar mais distante que se conhece, SDSS
Sloan Digital Sky Survey (SDSS)
O levantamento do céu SDSS é um projecto que tem por objectivo mapear detalhadamente um quarto de todo o céu, determinando posições e magnitudes absolutas de 100 milhões de objectos celestes, e determinando ainda a distância a mais de 1 milhão de galáxias e quasares. Os telescópios que participam neste projecto estão situados no Observatório de Apache Point (EUA). O SDSS é um projecto conjunto de instituições norte-americanas, alemãs e japonesas.
J1148+5251. Este objecto encontra-se a 13 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de nós, o que quer dizer que a sua luz foi emitida quando o Universo tinha somente 6% da idade que tem hoje!

As observações foram realizadas com o telescópio de infravermelhos do Reino Unido, o UKIRT (Havai), utilizando o espectrómetro
espectrómetro
O espectrómetro é um instrumento cuja função é medir os comprimentos de onda de um determinado espectro de luz, permitindo identificar as espécies químicas responsáveis pelas riscas existentes nesse espectro.
UIST. Os investigadores procuraram no espectro infravermelho do quasar uma risca de emissão
risca de emissão
Uma risca de emissão é uma risca brilhante num espectro de luz. Corresponde à emissão de radiação num determinado comprimento de onda devido à transição de um electrão de um nível energético mais elevado para um nível energético mais baixo de um átomo ou molécula. As riscas de emissão, tal como as de absorção, contêm informação sobre a composição química e as condições físicas do material que as produzem.
característica do magnésio ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
(Mg II). A análise desta risca permite inferir propriedades dos buracos negros, pois os iões
ião
Átomo ou molécula que perdeu ou ganhou um ou mais electrões.
de magnésio pertencem ao gás que circunda o buraco negro, no coração do quasar.

A ideia principal da análise é que a largura da risca de emissão de Mg II indica a velocidade do gás perto do quasar. Comparando com a mesma risca de emissão em quasares mais próximos, é possível inferir a massa do buraco negro central dos quasares distantes. Buracos negros com massa mais elevada terão material a mover-se mais rapidamente do que buracos negros de menor massa. Esta equipa concluiu que o buraco negro de SDSS J1148+5251 tem uma massa 3 mil milhões de vezes a massa do nosso Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Além disso, foi utilizado o comprimento de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
da risca de emissão para determinar com grande precisão o desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
deste objecto, a partir do qual se infere a distância ao objecto. O valor do desvio para o vermelho é z=6,41 ± 0,01 e confirma este quasar como o mais distante que se conhece, a cerca de 13 mil milhões de anos-luz de nós.

A medição do brilho de SDSS J1148+5251 mostra que o buraco negro encontra-se a engolir matéria ao ritmo mais elevado que pode. Se o buraco negro acumulasse matéria mais rapidamente, o excesso de luminosidade
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
exerceria uma pressão que impediria mais material de cair para o seu centro. Este limite da taxa de acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
é conhecido como o limite de Eddington.

Este quasar é uma estrutura do Universo muito jovem. O presente estudo confirma que, embora fossem raros, desde cedo existiram no Universo buracos negros, de massa tão elevada, rodeados de um reservatório de gás que lhes permitia alimentar-se de matéria até ao limite de Eddington. A descrição dos resultados desta investigação será publicada, em Abril de 2003, na revista da especialidade Astrophysical Letters.

Fonte da notícia: http://outreach.jach.hawaii.edu/pressroom/2003_distantquasar/