Rho Cassiopeia, o prelúdio de uma supernova

2003-02-11

Curva de luz de ρ Cas desde 1992. Antecedendo a erupção de 2000, o brilho de ρ Cas aumentou brevemente, para depois diminuir drasticamente. Crédito: Lobel et al., Astrophysical Journal 2003.
Rho Cassiopeia (ρ Cas) é uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
dum tipo muito especial: é uma hipergigante amarela, do qual só se conhecem sete exemplares na Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. São estrelas muito luminosas, com temperaturas à superfície entre 3500 e 7000 K, que se encontram num estágio avançado das suas vidas e acabarão por explodir como supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. Embora a sua distância a nós seja de 10 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, ρ Cas é observável a olho nu, pois a sua luminosidade
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
é 500 000 vezes maior do que a do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
.

A luminosidade de uma estrela está correlacionada com a sua temperatura de tal forma que, definindo a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
e composição química inicial de uma estrela, esta percorre "Trajectos de Evolução" bem definidos, que são combinações de luminosidade e temperatura característicos das diferentes fases da vida das estrelas. As hipergigantes amarelas são estrelas peculiares porque possuem uma combinação pouco vulgar de luminosidade e temperatura, que as coloca no chamado "Vazio Amarelo de Evolução". Ao chegar a este Vazio, as estrelas podem apresentar sinais de instabilidade e, teoricamente, não podem atravessar o Vazio a não ser que percam grande parte da sua massa. Durante este processo, as estrelas terminam a sua vida numa explosão de supernova. A raridade das hipergigantes faz com que, até agora, ainda não tenham sido estudadas observacionalmente estrelas que se aproximam do Vazio Amarelo de Evolução.

ρ Cas já passou por períodos de grande perda de massa em 1893 e em 1945, que pareciam estar associados a decréscimos em temperatura efectiva e à formação de um envelope denso à sua volta. Em 1946, os astrónomos foram surpreendidos pela perda de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
da estrela, que passou de magnitude visual
magnitude aparente visual
Magnitude aparente visual é a magnitude aparente de um astro na banda do visível, nos comprimentos de onda compreendidos entre os 500 e 600 nanómetros. A olho nu, podemos observar estrelas até à magnitude aparente visual 6.
aparente 4 para 6, e alterou o seu tipo espectral de classe F para classe M, indicando uma descida na temperatura à superfície de 7000 para 5000 K. Na altura, os astrónomos aperceberam-se que tinham assistido a uma erupção na superfície da estrela mas não puderam determinar a sua extensão.

Desde 1993 que ρ Cas é monitorizada regularmente utilizando vários telescópios nos Estados Unidos (Observatório de Oak Ridge e Observatório Ritter) e na Europa (telescópio William Herschel
William Herschel Telescope (WHT)
O telescópio William Herschel (WHT), com 4,2 m de diâmetro, pertence ao Grupo de Telescópios de Isaac Newton (ING), no observatório de Roque de Los Muchachos, em La Palma (Canárias). O WHT é o maior telescópio nos observatórios das Canárias e possui instrumentos que permitem uma grande variedade de observações astronómicas, desde câmaras de imagem a espectrógrafos, tanto de radiação visível como infravermelha, e ainda, um sistema de óptica adaptativa.
e telescópio Óptico Nórdico, ambos nas Ilhas Canárias, e o Observatório Astrofísico Especial, na Rússia). Ao longo dos anos, as observações mostraram uma hipergigante pulsando, com variações quase regulares de umas centenas de graus em temperatura. Mas no verão de 2000 todas as expectativas foram ultrapassadas.

Subitamente, a estrela arrefeceu de 7000 para 4000 K em poucos meses. O seu brilho aumentou por um breve período, correspondendo à altura em que o gás caía para dentro da estrela, sendo comprimido e aquecido. Depois, o seu brilho diminuiu devido à erupção que ejecta o material para o exterior. No fundo, lembra um trampolim, em que a atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
cai para dentro da estrela, só para depois ser lançada de volta para fora. Os astrónomos descobriram bandas de absorção
absorção de radiação
A absorção de radiação é um decréscimo da intensidade da radiação devido à energia dispendida na excitação ou ionização de átomos e moléculas do meio que atravessa.
molecular de óxido de titânio (TiO) que se formou na atmosfera enquanto esta se expandia lentamente. As observações sugerem que se testemunhou a formação de uma camada extensa, desligada da estrela por uma onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
que arrastavou a massa equivalente a 10% do nosso Sol, ou seja, 10 000 vezes a massa da Terra. Esta quantidade de material ejectado é o mais elevado que os astrónomos já observaram numa única erupção estelar.

Desde o evento de 2000 que a atmosfera de ρ Cas tem pulsado de uma forma estranha. A sua camada mais exterior parece estar a colapsar outra vez, num evento que se assemelha àquele que precedeu a última explosão. Os investigadores acreditam que outra erupção está iminente. A estrela terminará em breve como uma explosão de supernova, pois já terá consumido quase todo o combustível nuclear que possui no seu centro. É provavelmente a melhor candidata a uma supernova na nossa Galáxia e a sua monitorização poderá ajudar a compreender os episódios evolutivos que antecedem as explosões de supernovas.

Esta investigação foi liderada por A. Lobel, do Centro de Astrofísica de Harvard-Smithsonian (EUA), e envolve uma equipa de astrofísicos de diversos institutos internacionais: Instituto de Astrofísica das Canárias (Espanha), Universidade de Toledo (Ohio, EUA), Organização para a Investigação Espacial (Holanda), Universidade de Oulu (Finlândia) e Observatório Astrofísico Especial (Rússia). Os resultados foram publicados na revista da especialidade The Astrophysical Journal, em Fevereiro de 2003.


Fonte da notícia:
http://www.ing.iac.es/PR/press/ing12003.html e http://cfa-www.harvard.edu/press/pr0302.html