Astrónomos identificam um novo tipo de estrela

2003-02-07

Ilustração de EF Eri durante a fase de transferência de massa da estrela dadora para a anã branca. A região onde a corrente fina de gás se rompe em muitos filamentos é onde o campo mágnetico da anã branca aprisiona o material. Crédito: Mark A. Garlick.
Os astrónomos Steve B. Howell da Universidade da Califórnia (Riverside, EUA) e Tom Harrison da Universidade Estatal do Novo México (EUA) anunciaram na reunião da Sociedade Americana de Astronomia, realizada em Janeiro deste ano, que confirmam a existência de um novo tipo de estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
- produto final do processo de evolução estelar. Este tipo de estrela, previamente desconhecido, tem algumas propriedades semelhantes às anãs castanhas
anã castanha
A anã castanha é uma estrela falhada cuja massa é insuficiente para permitir a fusão nuclear do hidrogénio em hélio no seu centro. No início das suas vidas, as anãs castanhas têm a fusão de deutério no seu núcleo central. Mesmo depois de esgotarem o deutério, as anãs castanhas radiam por conversão de energia potencial gravítica em calor e, como tal, emitem fortemente no domínio do infravermelho. De acordo com modelos, a massa máxima que uma anã castanha pode ter é de 0,08 massas solares (ou 80 massas de Júpiter). Estes objectos representam o elo que falta entre as estrelas de pequena massa e os planetas gasosos gigantes como Júpiter.
e pode ajudar os astrónomos a entender alguns dos recentemente descobertos planetas extra-solares
planeta extra-solar
Um planeta extra-solar é um planeta que não orbita o nosso Sol.
que orbitam os seus sóis de muito perto.

Esta estrela peculiar é parte de um sistema binário conhecido como EF Eridanus que se encontra a uma distância de cerca de 300 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra. EF Eri, que tem um período orbital
período orbital
O tempo necessário para que um corpo descreva uma órbita completa e fechada em torno de outro corpo.
de 81 minutos, pertence a uma classe de estrelas binárias chamadas variáveis cataclísmicas magnéticas, assim designadas devido às suas repentinas fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
provocadas por episódios de acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
e pelos seus fortíssimos campos magnéticos
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
.

Nas variáveis cataclísmicas magnéticas típicas, a componente de maior massa é uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
, o remanescente de uma estrela de massa outrora elevada, com provavelmente 3 a 5 vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. A maioria das estrelas, incluindo o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, acabarão as suas vidas como anãs brancas - objectos tão compactos (de um tamanho parecido ao da Terra) que uma colher de chá de "matéria de anã branca" pesaria o mesmo que uns 100 elefantes. Nestas binárias magnéticas, a anã branca possui um campo magnético muito forte, da ordem de 10 a 200 milhões de vezes o da Terra.

A outra componente numa variável cataclísmica magnética é tipicamente uma estrela normal semelhante ao nosso Sol, mas menor e com apenas cerca de metade da sua massa. Esta companheira passa a sua vida a transferir massa para a anã branca a um taxa de aproximadamente 6 mil milhões de toneladas
tonelada (t)
A tonelada (t) é uma unidade de massa equivalente a 1000 kg.
por segundo. Quando se dá a transferência de massa, a anã branca de EF Eri, com o seu campo magnético intenso, canaliza a matéria através das linhas do campo magnético fazendo com que essa matéria se despenhe, perto dos pólos magnéticos, numa área um pouco menor que a da Península Ibérica.

A energia gravitacional libertada pelo material despenhado, equivalente a cerca de 20 mil milhões de bombas de uma megatonelada
megatonelada (Mt)
Uma megatonelada (Mt) é a energia da explosão de um milhão de toneladas de TNT, que corresponde a cerca de 4,2 x 1015 J.
por segundo, produz uma quantidade enorme de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
que escamoteia a radiação (dos raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
ao infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
) emitida por qualquer uma das duas estrelas. Efectivamente, as duas estrelas são invisíveis quando a massa está a ser transferida. Nesta fase, apenas se consegue observar uma emissão forte correspondente a regiões com uma temperatura de 1 milhão de graus na superfície da anã branca.

Por razões que os astrónomos ainda não entendem completamente, o fluxo de matéria entre as duas estrelas deixa de se dar ocasionalmente. O fluxo recomeça passadas umas semanas ou uns meses na maioria dos sistemas. Quando, em 1995, EF Eri deixou de transferir matéria, o sistema tornou-se 30 vezes menos brilhante tendo permanecido relativamente inactivo nos últimos 7 anos. Com as estrelas do binário agora expostas, os cientistas tiveram a sua primeira oportunidade de detectar directamente a companheira de pequena massa.

Os resultados das observações realizadas por Howell e Harrison permitiram interpretar a estrela de pequena massa como sendo muito fria, com uma temperatura entre 800 e 1200 K. As grandes variações de luz observadas nos dados são causadas pelo aquecimento a 1600 K de um lado da estrela de pequena massa provocado pela anã branca, enquanto que o outro lado permanece muito frio a cerca de 900 K.

Presentemente, EF Eri não se parece em nada a uma variável cataclísmica. As observações no óptico só revelam a anã branca, enquanto que as observações no infravermelho só revelam um estranho objecto frio semelhante a uma anã castanha. Sem um estudo minucioso não saberíamos que as estrelas formavam um sistema binário, ou que EF Eri costumava ser uma das fontes de raios-X mais brilhantes do céu.

A estrela dadora de massa terá começado a sua vida como uma estrela de pequena massa perfeitamente normal, como o nosso Sol, mas terá perdido mais de 90% da sua massa durante os últimos 5 a 8 mil milhões de anos. Provavelmente, o objecto que ficou não tem produção interna de energia, o que o torna uma estrela "semi-degenerada", algo a meio caminho entre uma estrela normal e uma anã branca.

Modelos teóricos calculados anteriormente por Howell e colaboradores previam a existência de este tipo de objectos. O facto de terem finalmente encontrado um é muito encorajador, e é indicativo de que muitos mais devem existir.

Este novo tipo de estrela tem um tamanho e temperatura semelhantes aos de uma anã castanha, apesar dos seus processos de formação serem muito diferentes. Contudo, a sua estrutura interna, bem como a estrutura da sua atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
são ainda desconhecidas. Este objecto, e outros como ele, proporcionarão testes importantes para o entendimento da resposta das atmosferas de objectos frios e de pequena massa (como as anãs castanhas e planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
extra-solares gigantes) ao aquecimento pelas suas estrelas progenitoras. Muitos dos planetas extra-solares recentemente descobertos possuem grandes massas (isto é, massas várias vezes maiores que a de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
) e estão em órbitas
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
relativamente apertadas em torno dos seus sóis. As atmosferas destes planetas devem sofrer um aquecimento intenso como aquele que se observa na estrela de pequena massa do sistema EF Eridanus.

Fonte da notícia: http://www.eurekalert.org/pub_releases/2003-01/uoc--ain010803.php