VLT detecta os progenitores das grandes galáxias actuais

2003-01-09

Três galáxias de grandes dimensões e muito distantes no HDF-S. Este tipo de galáxia nunca tinha sido observado a tão grandes distâncias. Têm um aspecto surpreendentemente semelhante ao de galáxias espirais muito próximas. As imagens nas colunas identificadas com \"V+I\" e \"K\" foram obtidas pelo telescópio espacial Hubble e VLT/ISAAC, respectivamente. A terceira coluna mostra imagens coloridas obtidas a partir da composição de imagens obtidas com os dois telescópios. Crédito: ESO.
Como é que as galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
se formaram no Universo primitivo? Como é que evoluíram? Quando é que as primeiras estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
se formaram? Estas são algumas das questões importantes na astronomia actual que as observações, com os modernos telescópios a partir da Terra e em órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
, podem ajudar a esclarecer.

A luz emitida pelas galáxias mais distantes viaja por um período de tempo muito longo antes de chegar até nós. Por este motivo, os astrónomos podem olhar para trás no tempo e estudar as galáxias tais como eram quando o Universo era ainda muito jovem. No entanto, isto é tecnicamente muito difícil, pois as galáxias são muito pouco brilhantes. Outro aspecto a ter em conta é que, devido à expansão do Universo, a sua luz foi desviada para comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
maiores. Assim, para estudar galáxias muito jovens com algum detalhe, os astrónomos necessitam de usar os maiores telescópios disponíveis e recolher a luz que nos chega delas durante um longo período de tempo. Devem ainda trabalhar na região infravermelha
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
do espectro electromagnético
espectro electromagnético
O espectro electromagnético é a gama completa de comprimentos de onda da radiação electromagnética. Divide-se usualmente nas bandas dos raios gama, raios-X, ultravioleta, visível, infravermelho, submilímetro, milímetro, microondas (comprimentos de onda da ordem do centímetro) e rádio (comprimentos de onda superiores ao metro).
, que não é detectado pelo olho humano.

A área do céu designada por Hubble Deep Field South (HDF-S) foi seleccionada para ser estudada em grande detalhe pelo telescópio espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
/NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) e outros grandes telescópios, nomeadamente o VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
do ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
. Sempre que esta área estava visível do Paranal (Chile) e as condições atmosféricas eram excelentes, os astrónomos do ESO apontavam nessa direcção o telescópio ANTU, um dos 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que constituem o VLT, obtendo imagens com a câmara de infravermelho ISAAC. As imagens eram transmitidas via Internet para a equipa de astrónomos na Europa, que então procediam ao seu tratamento, combinando-as para obter algumas das imagens mais profundas jamais obtidas no infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
.

Uma das características mais importantes destas novas observações é que elas foram efectuadas em três bandas do infravermelho (Js, H, Ks), permitindo obter uma visão tridimensional desta pequena região do Universo. Isto porque, comparando o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
das galáxias nestas três cores com o seu brilho no óptico medido pelo Hubble, é possível estimar o desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
(redshift) da luz que emitiram e assim determinar há quanto tempo essa luz foi emitida. Para as galáxias mais vermelhas detectadas a resposta é que as vemos como eram quando o Universo tinha somente 2 mil milhões de anos.

Duas conclusões importantes sobre a natureza das galáxias podem já ser retiradas dos resultados obtidos até ao momento. Uma é que algumas das galáxias são claramente muito grandes e apresentam uma estrutura espiral semelhante à que se observa nas galáxias mais próximas. Não é obvio que os modelos teóricos actuais possam facilmente explicar como essas galáxias surgiram tão cedo na vida do Universo. A outra conclusão é que, em contraste com o que se passa com as galáxias à mesma distância, mas descobertas através de imagens no óptico, a maioria destas novas galáxias apresenta pouca actividade de formação de estrelas. Na realidade, parecem ter já formado a maioria das suas estrelas em quantidades suficientes para dar conta de pelo menos metade da massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
total "luminosa" existente no Universo naquela altura. Dado o tempo necessário para atingirem o estado no qual as vemos actualmente, elas devem ter-se formado ainda mais cedo na vida do Universo e encontram-se provavelmente entre as galáxias mais "velhas" conhecidas actualmente.

Em vez de se encontrarem distribuídas de forma aleatória pelo espaço, estas galáxias "vermelhas" tendem a agrupar-se. Isto parece vir ao encontro dos resultados dos últimos modelos teóricos, nos quais as galáxias constituídas por matéria normal se formam nas zonas onde a densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de matéria "escura" é mais elevada. Embora a matéria "escura" seja responsável pela maior parte da massa do Universo, a sua origem continua um mistério.

Estas novas observações podem também ajudar a lançar nova luz sobre este mistério.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2002/pr-23-02.html