A galáxia da Via Láctea na qual habitamos formou-se a partir de uma gigansteca nuvem de gás, quando o Universo era ainda jovem, relativamente cedo após o Big Bang. No começo, este gás era presumivelmente constituído quase exclusivamente por átomos de hidrogénio e hélio produzidos pelo próprio Big Bang (na verdade o Big Bang produziu apenas átomos de hidrogénio, hélio e uma quantidade muito reduzida de lítio).

Contudo, uma vez formadas as primeiras estrelas por contracção gravitacional desse gás, muitos elementos pesados foram gerados pelos processos nucleares no interior dessas estrelas. Com o passar do tempo, muitas das estrelas desta e das gerações seguintes devolveram e espalharam a matéria processada em seu redor na fase final das suas vidas, por meio de violentas explosões de supernova ou por meio de poderosos ventos estelares. Deste modo, o gás interestelar na Via Láctea tem sido continuamente enriquecido com elementos pesados. Estrelas de gerações mais tardias, como o nosso Sol, contêm esses elementos produzidos por outras estrelas no passado. Consequentemente, as primeiras (e por isso mais velhas) estrelas da Via Láctea diferenciam-se das estrelas mais recentes pela sua muito mais baixa abundância desses elementos.

Terão essas estrelas primordiais sobrevivido até aos nossos dias? De acordo com a teoria, é possível que algumas das estrelas de menor massa (logo, com o tempo de vida mais longo) tenham perdurado. Mas, se assim é, onde estão elas? Ao longo de mais de três décadas, os astrónomos tentaram desesperadamente encontrar estrelas de primeira geração na nossa galáxia (ditas estrelas de população III), isto é estrelas que, quando muito, possuem abundâncias extremamente baixas de elementos mais pesados que o hélio. Estrelas, como o nosso Sol, que são abundantes em elementos pesados pertencem à população I, enquanto que estrelas com abundâncias substancialmente menores que a solar são de população II.

Uma equipa de astrónomos descobriu agora, utilizando o telescópio VLT do ESO, uma estrela gigante, HE 0107-5240, cuja abundância de elementos pesados é 200 000 vezes menor que a do Sol, e 20 vezes menor do que aquela que era tida como o recorde das mais baixas abundâncias conhecidas. Este resultado é extremamente importante pois permite-nos assim estudar gás estelar cuja composição deverá ser muito próxima da do gás produzido pelo Big Bang.

No entanto, esta descoberta também levanta dificuldades na medida em que demonstra que estrelas de pequena massa (HE 0107-5240 possui apenas 80% da massa do Sol) podem formar-se a partir de gás muito pobre em metais, em clara contradição com a actual teoria de formação de estrelas de pequena massa! De acordo com esta teoria, os metais são essenciais para permitir o arrefecimento da nuvem de gás em colapso gravitacional para formar a estrela. Isto significa que os modelos teóricos terão de ser refinados.

Curiosamente, esta descoberta, publicada em Outubro passado na revista Nature por Christlieb et al., resulta de um estudo sistemático designado por Hamburg-ESO Survey cujo objectivo é, pasme-se, encontrar quasares!

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2002/pr-19-02.html