Nuvens de hidrogénio pairam acima do plano da Via Láctea

2002-11-04

Visão artística da Via Láctea com uma inserção das observações efectuadas com o radiotelescópio GBT (NRAO) de 100 metros. Crédito: NSF/K. WOELLERT; NRAO/AUI.
As nuvens de hidrogénio atómico que se encontram por cima do plano da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
foram observadas com um detalhe nunca antes alcançado. A sua caracterização é descrita num artigo da autoria de Lockman, investigador do Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA (NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
, do inglês National Radio Astronomy Observatory), já aceite para publicação na revista da especialidade Astrophysical Journal Letters. Estudos anteriores tinham revelado a presença de hidrogénio neutro flutuando fora do disco da nossa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
(isto é, no halo galáctico), mas a baixa resolução das observações não permitiam inferir muito sobre a sua estrutura ou origem. Agora, observações realizadas com o telescópio Byrd Green Bank (GBT
Green Bank Telescope (GBT)
O Robert C. Byrd Green Bank Telescope (GBT) é o maior radiotelescópio de uma só antena totalmente dirigível. O prato da antena do GBT mede 100 por 110 metros. O observatório em Green Bank é operado pela NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
), operado pelo NRAO, revelaram que uma fracção significativa deste hidrogénio neutro se encontra organizada em nuvens. O GBT é o maior radiotelescópio dirigível do mundo, com um prato de 100 metros de diâmetro. A sua extraordinária resolução angular, sensibilidade e intervalo dinâmico, tornam-no ideal para este estudo. As observações consistiram no mapeamento da intensidade da risca espectral
risca espectral
Uma risca espectral pode ser uma risca brilhante - risca de emissão - ou uma risca escura - risca de absorção - num espectro de luz. A emissão de radiação (no caso da risca de emissão), ou a absorção de radiação (no caso da risca de absorção), num determinado comprimento de onda, é causada por uma transição atómica ou molecular. O estudo das riscas espectrais permite caracterizar a composição química e as condições físicas do meio que as produz.
de emissão de 21 cm, que é característica do hidrogénio neutro (resulta da reorientação do spin do electrão
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
) e que permite que se deduzam algumas propriedades do gás, tais como densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
, velocidade e temperatura.

Estes resultados indicam que as nuvens encontram-se na direcção do centro da galáxia, a 15 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de nós. São nuvens gigantescas, com cerca de 100 anos-luz de diâmetro, e cada uma contém uma massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
de hidrogénio entre 50 e 100 vezes a massa do sol. Esta população de nuvens paira a cerca de 5 000 anos-luz acima do plano da nossa galáxia e está dinamicamente relacionada com o disco da Via Láctea. Isto é, à medida que o disco da nossa galáxia roda, as nuvens também o fazem - uma indicação de que estes objectos têm origem no plano da nossa galáxia e não no exterior.

Até agora, poucos modelos teóricos exploraram a formação de nuvens de hidrogénio neutro em co-rotação com a Galáxia. Uma possível origem destas nuvens são as supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, cujas explosões fornecem continuamente hidrogénio quente ao halo da Galáxia. Devido a instabilidades térmicas, o gás arrefece e forma nuvens, regressando, eventualmente, ao disco galáctico. Espera-se que modelos globais do disco e do halo galáctico, como por exemplo os construídos pelo astrofísico português Miguel de Avillez (Universidade de Évora), poderão em breve ser suficientemente refinados para permitir uma comparação directa com as observações. Entretanto, observações adicionais, que já se encontram em preparação, devem poder clarificar as propriedades destas nuvens do halo, estabelecer a sua distribuição ao longo da Galáxia e revelar a sua estrutura interna.

Fonte da notícia:
http://www.sciam.com/article.cfm?SID=mail&articleID=000670E5-5C84-1DB4-94E2809EC5880108