LIGO deteta ondas gravitacionais pela segunda vez

2016-06-16

Esta ilustração mostra a fusão de dois buracos negros e as ondas gravitacionais que se propagam à medida que os buracos negros espiralam um em direção ao outro. Os buracos negros - que representam os que foram detetados pelo LIGO, a 26 de dezembro de 2015 - tinham 14 e 8 vezes a massa do Sol até se fundirem, formando um único buraco negro com 21 vezes a massa do Sol. Na realidade, a área próxima aos buracos negros surgiria altamente distorcida, e as ondas gravitacionais seriam pequenas demais para se verem. Crédito: T. Pyle / LIGO.
Pela segunda vez, os cientistas conseguiram detetar diretamente ondas gravitacionais - ondulações do tecido do espaço-tempo
espaço-tempo
O espaço-tempo é um conceito único introduzido por Albert Einstein no âmbito da Teoria da Relatividade Geral, que reconhece a união do espaço e do tempo.
, criadas por eventos cataclísmicos extremos no Universo distante. A equipa científica determinou que a ondulação incrivelmente fraca que chegou à Terra foi produzida pela colisão, a metade da velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
, de dois buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
, a 1,4 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância.

As ondas gravitacionais foram detetadas a 26 de dezembro de 2015, às 03:38:53 UTC, com os dois observatórios LIGO (Laser
Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation (LASER)
A palavra LASER designa uma amplificação de luz por emissão estimulada de radiação. O princípio físico por trás deste fenómeno é a emissão estimulada: sob certas condições, um fotão atinge um átomo excitado e provoca a emissão de um fotão. O átomo emite dois fotões: o fotão estimulador, que passa incólume, e o fotão estimulado, que tem o mesmo comprimento de onda, a mesma fase, a mesma polarização e a mesma direcção de propagação que o fotão estimulador. Se cada um destes fotões estimular mais átomos, o feixe inicial de fotões é assim amplificado.
Interferometer Gravitational-wave Observatory
), um deles localizado em Livingston, Louisiana, e o outro em Hanford, Washington. Ambos os observatórios, separados por uma distância de mais de 3000 quilómetros, captaram um sinal muito fraco no meio do ruído ambiente.

A primeira deteção do LIGO, anunciada a 11 de fevereiro último, tinha produzido um pico claro nos dados, mas este segundo sinal foi muito mais fraco, gerando uma onda rasa quase impercetível. Usando técnicas avançadas de análise de dados, a equipa determinou que, de facto, a forma da onda indicava uma onda gravitacional.

Os investigadores determinaram que as ondas gravitacionais surgiram da colisão de dois buracos negros, com 14,2 e 7,5 vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. O sinal captado pelos observatórios do LIGO abrange os momentos finais, antes dos buracos negros se fundirem. Durante aproximadamente o segundo final, enquanto o sinal era detetável, os buracos negros giraram em torno um do outro 55 vezes, atingindo metade da velocidade da luz, antes de se fundirem numa colisão que lançou uma enorme quantidade de energia, equivalente à massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, sob a forma de ondas gravitacionais. Este cataclismo, que ocorreu há 1,4 mil milhões de anos, produziu um buraco negro ainda mais massivo, com 20,8 vezes a massa do Sol.

Esta segunda deteção de ondas gravitacionais, que mais uma vez confirma a Teoria da Relatividade Geral
Teoria da Relatividade Geral
A Teoria da Relatividade Geral foi formulada por Albert Einstein em 1916 como expansão da Teoria da Relatividade Restrita (formulada em 1905) de forma a incluir o efeito da gravitação no espaço-tempo. Esta teoria propõe que o espaço-tempo é uma estrutura quadri-dimensional cuja curvatura é determinada pela presença de matéria. Neste sentido, a gravitação manifesta-se como curvatura do espaço-tempo, e não como uma força entre duas massas.
de Einstein, testou com sucesso as capacidades do LIGO para a deteção de sinais gravitacionais extremamente fracos.

"Voltámos a conseguir," disse Salvatore Vitale, investigador no Instituto Kavli para Astrofísica e Investigação Espacial do MIT e membro da equipa do LIGO. "O primeiro evento foi tão bonito que quase não podíamos acreditar. Termos visto outra onda gravitacional prova que de facto estamos a observar uma população de buracos negros binários. Sabemos que iremos ver muitas mais e com frequência
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
suficiente para tornar a ciência mais interessante."


Encontrar a onda correspondente

Os dois interferómetros LIGO, cada um com 4 km de comprimento, foram concebidos de tal forma que este comprimento se altera por uma quantidade ínfima se for atravessado por uma onda gravitacional. A 14 de setembro de 2015, os detetores captaram o primeiro sinal de uma onda gravitacional, que alterou o comprimento de cada interferómetro por um valor tão ínfimo como uma fração do diâmetro de um protão
protão
Partícula que, juntamente com o neutrão, constitui os núcleos atómicos. Todos os átomos têm pelo menos um protão e é o número de protões que determina o elemento químico do átomo. Os protões têm carga eléctrica positiva. Os protões são formados por três quarks (dois u e um d), são bariões (e hadrões), e o seu spin é um número semi-inteiro.
. Apenas quatro meses depois, a 26 de dezembro, o LIGO gravou um segundo sinal, que alterou a o comprimento por uma quantidade ainda mais pequena.

"Quando detetámos o primeiro sinal, era tão breve e destacado que podia ver-se nos dados," disse Vitale. "Este novo evento é totalmente diferente. Não é um sinal abrupto, fácil de ver. Está totalmente enterrado dentro do ruído."

Para libertar o sinal e determinar se era de facto uma onda gravitacional ou simplesmente ruído dos próprios detetores, os cientistas usaram filtros adaptados, uma técnica de processamento de sinal que permite analisar em profundidade o ruído do LIGO para detetar sinais com formas de onda conhecidas, ou padrões.

Neste caso, a equipa reuniu um banco com centenas de milhares de formas de onda conhecidas, cada uma correspondendo a diferentes massas e spins de buracos negros. Em seguida, os cientistas compararam os dados do LIGO com cada forma de onda do banco à procura de uma que correspondesse.

Com alguma análise adicional (estimativa de parâmetros) descobriram que o sinal detetado em ambos os observatórios correspondia a um único evento: a fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de dois buracos negros, com 14,2 e 7,5 vezes a massa do Sol e a 1,4 mil milhões de anos-luz de distância. Estes buracos negros são menos massivos do que os que geraram o primeiro sinal de ondas gravitacionais, mas representam melhor os buracos negros que os astrónomos têm observado no Universo.

"De certa forma, isto é tranquilizador - significa que o nosso alvo pode ser a mesma população que conseguimos observar com a astronomia tradicional", disse Lisa Barsotti, investigadora principal no Instituto Kavli do MIT e membro da equipa do LIGO. "Esta é uma nova era da astronomia, e podemos agora sondar o Universo de formas que nunca antes imaginámos."

Voltando atrás no tempo

Nos primeiros quatro meses, os detetores Advanced LIGO já conseguiram dois sinais de ondas gravitacionais produzidas pela colisão de dois sistemas binários de buracos negros muito diferentes. David Shoemaker, que liderou a equipa que construiu os detetores, nota que "o observatório está atualmente desativado, a ser aperfeiçoado para melhorar a sua sensibilidade, e está previsto voltar a entrar em funcionamento no outono," para quando os cientistas antecipam a deteção de ainda mais ondas gravitacionais e eventos astronómicos extremos.

"Estamos muito rapidamente a transitar de um evento a cada poucos meses para alguns em cada mês," disse Vitale. "Também seremos capazes de ver objetos mais longínquos, no espaço e no tempo."

Com mais deteções, a equipa espera responder a uma questão fulcral: como se fundem os buracos negros? Os astrónomos consideram duas hipóteses. Uma delas postula que, como os buracos negros "nascem" de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que explodem, duas estrelas podem ter-se orbitado previamente antes de colapsarem, formando buracos negros que permaneceram juntos, em orbitas cada vez mais próximas, até finalmente se fundirem. A outra hipótese sugere que dois buracos negros independentes, existindo numa densa população de buracos negros, podem ter ficado gravitacionalmente ligados, acabando eventualmente por se fundir.

"São cenários extremamente diferentes, e o que queremos saber no futuro é o que acontece com mais frequência," disse Vitale. "Vamos ter de esperar por mais deteções para descobrirmos."

No outono, quando o LIGO voltar a funcionar, terá a ajuda da colaboração Virgo, um terceiro observatório localizado perto de Pisa, Itália, que irá detetar ondas gravitacionais com um interferómetro de 3 km de comprimento. Os cientistas do LIGO, incluindo Barsotti, estão também a trabalhar num projeto ainda mais sensível que o LIGO, na esperança de observar os primeiros eventos do Universo.

"As ondas gravitacionais são a única maneira o fazermos, com os conhecimentos que temos hoje," explicou Vitale. "Durante os seus primeiros 380 mil anos ou mais, o Universo era opaco à luz. Mas as ondas gravitacionais podiam atravessá-lo, e esta é a única ferramenta potencial para investigarmos o início dos tempos."

"Como podem imaginar, estas deteções tiveram um forte impacto nas vidas de muitos de nós, porque as esperávamos há muito tempo", disse Barsotti. "Os últimos meses têm sido uma experiência incrível."

Veja o vídeo sobre a descoberta, aqui: https://youtu.be/biwlfcljx9Q

Os cientistas fazem parte da colaboração científica LIGO e da colaboração Virgo. Os resultados desta descoberta foram publicados na revista Physical Review Letters.


Fonte da notícia: http://news.mit.edu/2016/second-time-ligo-detects-gravitational-waves-0615