Canibalismo estelar transforma estrela em anã castanha

2016-05-19

Ilustração do sistema binário J1433 que representa a anã branca (à direita) a devorar a massa da anã castanha. Crédito: Rene Breton, University of Manchester.
Os astrónomos detetaram um objeto subestelar que já foi uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, depois da sua massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
ter sido consumida pela sua companheira, uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
. A investigação, publicada na revista Nature, teve o apoio parcial de uma bolsa da Royal Astronomical Society.

A descoberta foi feita por uma equipa internacional de astrónomos, ao observar um sistema binário muito fraco, J1433, localizado a 730 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância. O sistema consiste num objeto de baixa massa – com cerca de 60 vezes a massa de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
- numa órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
extremamente curta, de 78 minutos, em torno de uma anã branca (o remanescente de uma estrela como o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
).

Devido à proximidade, a anã branca devora a massa da sua companheira. Este processo já removeu cerca de 90 % da massa da companheira, que assim passou de uma estrela a uma anã castanha
anã castanha
A anã castanha é uma estrela falhada cuja massa é insuficiente para permitir a fusão nuclear do hidrogénio em hélio no seu centro. No início das suas vidas, as anãs castanhas têm a fusão de deutério no seu núcleo central. Mesmo depois de esgotarem o deutério, as anãs castanhas radiam por conversão de energia potencial gravítica em calor e, como tal, emitem fortemente no domínio do infravermelho. De acordo com modelos, a massa máxima que uma anã castanha pode ter é de 0,08 massas solares (ou 80 massas de Júpiter). Estes objectos representam o elo que falta entre as estrelas de pequena massa e os planetas gasosos gigantes como Júpiter.
.

A maioria das anãs castanhas são estrelas falhadas, objetos que nasceram com massa insuficiente para poderem brilhar pela fusão de hidrogénio
combustão de hidrogénio
Designa-se por combustão, ou queima, de hidrogénio o processo de fusão nuclear no qual núcleos de hidrogénio colidem para formar núcleos de hélio. O termo "combustão" é, neste contexto, um abuso de linguagem introduzido pelos astrónomos profissionais. Todas as estrelas que nascem com massa superior a 0,08 vezes a massa do Sol queimam hidrogénio.
nos seus núcleos. Porém, a anã castanha deste sistema nasceu como uma verdadeira estrela, só que a sua massa tem vindo a ser roubada através de um processo de canibalismo estelar, ao longo de milhares de milhões de anos, até à condição atual.

Para detetar diretamente e caracterizar um sistema que sobreviveu a uma transição tão traumática, o estudo utilizou o instrumento X-Shooter do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(Very Large Telescope), em Cerro Paranal, no Chile.

Juan Venancio Hernández Santisteban, principal autor do estudo e estudante de doutoramento na Universidade de Southampton, afirmou: "O X-Shooter é um instrumento único que pode observar, em simultâneo, do ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
ao infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
, objetos astronómicos. Permitiu-nos dissecar a luz deste sistema e descobrir o sinal escondido da fraca anã castanha.”

"O conhecimento que temos da evolução dos sistemas binários sugere-nos que, se a estrela companheira pode sobreviver à transição, então as anãs castanhas devem ser comuns neste tipo de sistemas. No entanto, apesar de vários esforços, apenas foram encontrados alguns candidatos a sistemas com evidências provisórias de companheiras anãs castanhas. Os nossos resultados confirmam agora que a transformação bem-sucedida de uma estrela em anã castanha é realmente possível."

Os astrónomos usaram também os dados para mapear a temperatura de superfície da anã castanha. Esta acabou por se revelar não uniforme, uma vez que o objeto subestelar frio é fortemente irradiado pela sua companheira anã branca, muito mais quente. O mapa mostra uma diferença de temperaturas clara entre o lado diurno (o lado virado para a anã branca) e o noturno. Em média, a diferença equivale a 57 graus Celsius, mas as partes mais quentes e mais frias da superfície da anã castanha diferem em 200 graus Celsius.

O Professor Christian Knigge, também da Universidade de Southampton, que iniciou e supervisionou o projeto, declarou: "A construção deste mapa da temperatura de superfície é uma conquista significativa. Em muitos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
gigantes - os chamados Júpiteres quentes – a irradiação pela estrela hospedeira domina completamente o fluxo interno de calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
do planeta. No entanto, para a anã castanha do nosso estudo, o fluxo interno de calor e a irradiação externa são comparáveis​​. Isto representa todo um programa por explorar, e torna estes sistemas em valiosos laboratórios para os estudos futuros."


Fonte da notícia: http://www.ras.org.uk/news-and-press/2831-stellar-cannibalism-transforms-star-into-brown-dwarf