Localização de uma explosão rápida de rádio pode permitir encontrar matéria em falta no Universo

2016-02-25

Os radiotelescópios do ATCA (Australian Telescope Compact Array), que ajudaram a identificar a mais recente explosão rápida de rádio numa galáxia a cerca de 6 mil milhões de anos-luz de distância. Crédito: Alex Cherney.
Com a ajuda de radiotelescópios e de telescópios óticos, uma equipa internacional de cientistas conseguiu determinar, pela primeira vez, a localização de uma explosão rápida de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
, permitindo-lhes confirmar o atual modelo cosmológico da distribuição de matéria no Universo.

A 18 de abril de 2015, foi detetada uma explosão rápida rádio ou FRB (Fast Radio Burst) pelo radiotelescópio Parkes, de 64 m, da CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation), na Austrália. Foi então acionado um alerta internacional para outros telescópios e, em poucas horas, telescópios em todo o mundo procuravam o sinal, incluindo o ATCA (Australian Telescope Compact Array) da CSIRO.

As FRBs são misteriosas erupções brilhantes de ondas de rádio cósmicas que geralmente duram apenas alguns milissegundos. A sua origem ainda é desconhecida, com uma longa lista de potenciais fenómenos associados. As FRBs são muito difíceis de detetar; antes desta descoberta apenas 16 tinham sido detetadas.

"No passado, as FRBs foram descobertas em análises de dados realizadas meses ou mesmo anos após a obtenção dos mesmos, sendo então já tarde demais para fazer observações de acompanhamento", disse Evan Keane, da Universidade de Manchester, principal cientista do estudo. Para alterar esta situação, a equipa desenvolveu um sistema de observação próprio para detetar FRBs em poucos segundos e alertar imediatamente os outros telescópios de modo a poderem ir atempadamente à procura de mais provas da explosão inicial.

Graças ao ATCA, com seis antenas de 22 m de diâmetro e a sua resolução combinada, a equipa foi capaz de determinar a localização do sinal com uma precisão muito superior à que era possível no passado e detetar um remanescente de rádio que durou cerca de 6 dias até desaparecer. Este remanescente permitiu localizar a FRB com uma precisão 1000 vezes superior à de eventos anteriores.

A equipa usou então o telescópio ótico Subaru, de 8,2 m, do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan), no Havai, para observar o local de onde viera o sinal, e identificou uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
elíptica a uma distância de cerca de 6 mil milhões de anos luz. "Pela primeira vez, fomos capazes de identificar a galáxia hospedeira de uma FRB" acrescentou Evan Keane. A observação ótica também lhes permitiu medir o redshift
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
.

As FRBs mostram uma dispersão dependente da frequência
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
, um atraso no sinal de rádio provocado pela quantidade de matéria através da qual passou. "Até agora, a medida de dispersão era tudo o que tínhamos. Tendo também uma distância podemos agora medir a densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de matéria entre o ponto de origem e a Terra, e comparar com o atual modelo de distribuição de matéria no Universo" explicou Simon Johnston, da divisão de Astronomia e Ciência Espacial da CSIRO e coautor do estudo. "Essencialmente, isto permite-nos pesar o Universo, ou pelo menos a matéria comum que contém."

Segundo o atual modelo, o Universo é composto por 70% de energia escura, 25% de matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
e 5% de matéria comum (a matéria que constitui tudo o que vemos). No entanto, através da observação de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, galáxias e hidrogénio, os astrónomos só foram capazes de contabilizar cerca de metade da matéria comum, o resto não pode ser observado diretamente e por isso tem sido referido como "matéria em falta".

"A boa notícia é que as nossas observações e o modelo batem certo, encontrámos a matéria em falta", explicou Keane. "É a primeira vez que uma explosão rápida de rádio foi usada para levar a cabo uma medição cosmológica."

Benjamin Stappers, professor de astrofísica da Universidade de Manchester e coautor do trabalho, afirmou: "A chave para este projeto foi a rápida localização da FRB e a identificação da galáxia hospedeira. A descoberta de mais FRBs irá permitir-nos fazer estudos mais detalhados da matéria em falta, e talvez até estudos da energia escura. Por isso, estamos a dar início a projetos de grupos de telescópios, como o e-MERLIN e o MeerKAT, que nos irão permitir localizar diretamente a própria explosão."

No futuro, espera-se que o Square Kilometre Array, com a sua extrema sensibilidade, resolução e amplo campo de visão seja capaz de detetar centenas de FRBs e de identificar as suas galáxias hospedeiras. Uma amostra muito maior irá permitir medições precisas dos parâmetros cosmológicos, tais como a distribuição de matéria no Universo, e também uma melhor compreensão da energia escura.

O estudo foi publicado na revista Nature.

Fonte da notícia: http://www.manchester.ac.uk/discover/news/new-fast-radio-burst-discovery-finds-missing-matter-in-the-universe/