Ondas Gravitacionais detetadas 100 anos após terem sido previstas por Einstein

2016-02-12

Uma simulação de computador mostra a colisão de dois buracos negros, um evento extremamente poderoso que permitiu ao LIGO detetar, pela primeira vez, ondas gravitacionais. Crédito: SXS Lensing.
Os cientistas observaram, pela primeira vez, ondulações no tecido do espaço-tempo
espaço-tempo
O espaço-tempo é um conceito único introduzido por Albert Einstein no âmbito da Teoria da Relatividade Geral, que reconhece a união do espaço e do tempo.
, ondas gravitacionais, a chegar à terra a partir de um evento cataclísmico ocorrido no Universo distante. É a confirmação de uma importante previsão da Teoria da Relatividade
Teoria da Relatividade Geral
A Teoria da Relatividade Geral foi formulada por Albert Einstein em 1916 como expansão da Teoria da Relatividade Restrita (formulada em 1905) de forma a incluir o efeito da gravitação no espaço-tempo. Esta teoria propõe que o espaço-tempo é uma estrutura quadri-dimensional cuja curvatura é determinada pela presença de matéria. Neste sentido, a gravitação manifesta-se como curvatura do espaço-tempo, e não como uma força entre duas massas.
Geral de Albert Einstein
Albert Einstein
(1879-1955). Albert Einstein nasceu em Ulm, na Alemanha. Como físico teórico, revolucionou a nossa compreensão do Universo. A sua contribuição para o avanço da Física Moderna foi única. Doutorou-se em 1905 pela Universidade de Zurique (Suíça), no mesmo ano em que interpretou o efeito fotoeléctrico, o movimento browniano, e lançou a Teoria da Relatividade Restrita. Publicou em 1916 a sua Teoria da Relatividade Geral e foi galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1921.
, de 1915, e abre uma janela sem precedentes para o cosmos
Cosmos
O conjunto de tudo quanto existiu, existe e alguma vez existirá. A larga escala, o Universo parece ser isotrópico e homogéneo.
.

As ondas gravitacionais transportam informações sobre as suas dramáticas origens e sobre a natureza da gravidade, que de outra forma não poderiam ser obtidas. Os físicos concluíram que as ondas gravitacionais detetadas foram produzidas durante a fração de segundo final da fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de dois buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
que resultou num único buraco negro, mais massivo, em rotação. A colisão de dois buracos negros tinha sido prevista, mas nunca observada.

As ondas gravitacionais foram detetadas em 14 de Setembro de 2015, às 09:51 UTC, pelos dois interferómetros detetores do LIGO (Laser
Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation (LASER)
A palavra LASER designa uma amplificação de luz por emissão estimulada de radiação. O princípio físico por trás deste fenómeno é a emissão estimulada: sob certas condições, um fotão atinge um átomo excitado e provoca a emissão de um fotão. O átomo emite dois fotões: o fotão estimulador, que passa incólume, e o fotão estimulado, que tem o mesmo comprimento de onda, a mesma fase, a mesma polarização e a mesma direcção de propagação que o fotão estimulador. Se cada um destes fotões estimular mais átomos, o feixe inicial de fotões é assim amplificado.
Interferometer Gravitational-wave Observatory
), localizados em Livingston, Louisiana, e em Hanford, Washington, nos EUA. Os Observatórios LIGO são financiados pela NSF (National Science Foundation), concebidos, construídos e operados pelo Instituto de Tecnologia da California (Caltech) e pelo MIT. A descoberta, publicada na revista Physical Review Letters, foi feita pela LIGO Scientific Collaboration (que inclui a GEO Collaboration e o Consórcio Australiano Interferometric Gravitational Astronomy) e pela Virgo Collaboration, usando dados dos dois detetores do LIGO.

Com base nos sinais observados, os cientistas do LIGO estimam que o evento aconteceu há 1,3 mil milhões de anos e que os buracos negros tinham aproximadamente 29 e 36 vezes a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Cerca de 3 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
foram convertidas em ondas gravitacionais numa fração de segundo, com a potência máxima de cerca de 50 vezes a de todo o Universo visível. Olhando para o tempo de chegada dos sinais - o detetor em Livingston registou o evento 7 milissegundos antes do detetor de Hanford – os cientistas puderam dizer que a fonte se localizava no hemisfério sul.

De acordo com a relatividade geral, um par de buracos negros que se orbitam perdem energia através da emissão de ondas gravitacionais, o que os leva a aproximar-se gradualmente ao longo de milhares de milhões de anos, e muito mais rapidamente nos minutos finais. Durante a fração de segundo final, os dois buracos negros colidem a uma velocidade que é cerca de metade da velocidade luz e formam um único buraco negro mais massivo, convertendo uma porção da massa em energia, de acordo com a fórmula de Einstein E = mc2. Esta energia é emitida como uma forte explosão final de ondas gravitacionais. Foram estas ondas gravitacionais que o LIGO observou.

A existência de ondas gravitacionais foi demonstrada pela primeira vez nas décadas de 1970 e 80 por Joseph Taylor, Jr., e colegas. Em 1974, Taylor e Russell Hulse descobriram um sistema binário composto por um pulsar em órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
em torno de uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
. Em 1982, Taylor e Joel M. Weisberg descobriram que a órbita do pulsar estava a diminuir lentamente ao longo do tempo devido à libertação de energia na forma de ondas gravitacionais. Por descobrirem o pulsar e mostrarem que iria tornar possível esta medição particular de ondas gravitacionais, Hulse e Taylor foram distinguidos com o Prémio Nobel de Física em 1993.

A nova descoberta do LIGO é a primeira observação concreta de ondas gravitacionais, feita por medição dos pequenos distúrbios que as ondas provocam no espaço-tempo ao passarem através da terra.

"A nossa observação de ondas gravitacionais concretiza uma meta ambiciosa estabelecida ao longo de 5 décadas para detetarmos diretamente este fenómeno elusivo e melhor compreendermos o Universo. E, nem de propósito, cumpre o legado de Einstein no 100º aniversário de sua teoria da relatividade geral," disse David H. Reitze, do Caltech, diretor-executivo do Laboratório LIGO.

A descoberta foi possível graças às novas capacidades do Advanced LIGO, um melhoramento importante aumentou a sensibilidade dos instrumentos, em comparação com os detetores LIGO de primeira geração, e permitiu um grande aumento no volume de universo investigado.

"Em 1992, quando o financiamento inicial do LIGO foi aprovado, representou o maior investimento que a NSF tinha feito", disse France Córdova, diretor da NSF. "Foi um grande risco. Mas a National Science Foundation corre este tipo de riscos. Financiamos pioneiros."

A investigação do LIGO é realizado pela LSC (LIGO Scientific Collaboration), um grupo de mais de 1000 cientistas de universidades nos Estados Unidos e em outros 14 países. Mais de 90 universidades e institutos de investigação no LSC desenvolvem tecnologia de deteção e análise de dados; cerca de 250 estudantes contribuem com o seu trabalho. A rede de deteção LSC inclui os interferómetros LIGO e o detetor GEO600. A equipa GEO inclui cientistas do Instituto Max Planck de Física Gravitacional (Albert Einstein Institute, AEI), da Leibniz Universität Hannover, e também parceiros das Universidades de Glasgow, Cardiff, Birmingham e outras universidades no Reino Unido, e da Universidade das Ilhas Baleares, em Espanha.

"Esta deteção é o começo de uma nova era: o campo da astronomia de ondas gravitacionais é agora uma realidade," disse Gabriela González, porta-voz do LSC e professora de física e astronomia na Universidade Estadual do Louisiana.

O LIGO foi originalmente proposto como um meio de detetar as ondas gravitacionais, na década de 1980, por Rainer Weiss (MIT); Kip Thorne, Richard P. Feynman e Ronald Drever (Caltech).

"A descrição desta observação é muito bem feita na teoria da relatividade geral de Einstein, formulada há 100 anos, e compreende o primeiro teste da teoria em gravitação forte. Teria sido maravilhoso ver o rosto de Einstein se lhe pudéssemos contar," disse Weiss.

"Com esta descoberta, a humanidade está a embarcar numa nova e maravilhosa missão: explorar o lado deformado do universo - objetos e fenómenos que são criados a partir de espaço-tempo deformado. Buracos negros em colisão e ondas gravitacionais são os nossos primeiros belos exemplos," disse Thorne.

A investigação Virgo é realizado pela Virgo Collaboration, que é composta por mais de 250 físicos e engenheiros pertencentes a 19 grupos europeus de investigação diferentes.

Fulvio Ricci, porta-voz da Virgo, observou que: "Este é um marco significativo para a física, mas o mais importante é que é apenas o início de muitas outras novas e excitantes descobertas astrofísicas que virão com o LIGO e a Virgo".

Bruce Allen, diretor do Instituto Max Planck de Física Gravitacional (Albert Einstein Institute), acrescentou: "Einstein pensou que as ondas gravitacionais eram muito fracas para as podermos detetar, e não acreditava em buracos negros. Mas eu creio que ele não se teria importado de ter errado!"

"Os detetores Advanced LIGO constituem um avanço extraordinário em ciência e tecnologia, tornado possível graças a uma equipa internacional verdadeiramente excecional de técnicos, engenheiros e cientistas", disse David Shoemaker, do MIT, o líder do projeto Advanced LIGO. "Estamos muito orgulhosos por termos terminado este projeto, financiado pela NSF, a tempo e dentro do orçamento."

Em cada observatório LIGO, a estrutura em L dos interferómetros, formada por dois braços (tubos de 1,2 m de diâmetro mantidos num vácuo quase perfeito) perpendiculares e com 4 km de comprimento, usa luz laser dividida em dois feixes que viajam para trás e para frente ao longo dos braços. Os feixes são utilizados para monitorizar a distância entre os espelhos posicionados com precisão nas extremidades dos braços. De acordo com a teoria de Einstein, a distância entre os espelhos (o comprimento dos braços) irá alterar-se por uma quantidade ínfima quando uma onda gravitacional passar pelo detetor. Uma alteração no comprimento dos braços inferior a um décimo de milésimo do diâmetro de um protão
protão
Partícula que, juntamente com o neutrão, constitui os núcleos atómicos. Todos os átomos têm pelo menos um protão e é o número de protões que determina o elemento químico do átomo. Os protões têm carga eléctrica positiva. Os protões são formados por três quarks (dois u e um d), são bariões (e hadrões), e o seu spin é um número semi-inteiro.
pode ser detetada.

"Atingimos este fantástico marco graças a uma colaboração global de cientistas- as tecnologias laser e de suspensão desenvolvidas para o nosso detetor GEO600 foram usadas para ajudar a tornar o detetor de ondas gravitacionais Advanced LIGO o mais sofisticado até agora criado," afirmou Sheila Rowan, professora de física e astronomia da Universidade de Glasgow.

Para determinar a direção do evento que causa as ondas gravitacionais são necessários observatórios independentes e bastante afastados, bem como para verificar que os sinais proveem de espaço e não de algum outro fenómeno local.

Com este fim em vista, o Laboratório LIGO está a trabalhar em estreita colaboração com cientistas na Índia, do Centro Interuniversitário de Astronomia e Astrofísica, do centro de Tecnologia Avançada Raja Ramanna, e do Instituto de Plasma, para estabelecer um terceiro detetor Advanced LIGO em solo indiano. A aguardar a aprovação do governo da Índia, poderá estar operacional no início da próxima década. O detetor adicional irá melhorar muito a capacidade de localizar fontes de ondas gravitacionais.

"Esperamos que esta primeira observação possa acelerar a construção de uma rede global de detetores que permita a localização precisa da fonte," disse David McClelland, professor de física e diretor do Centro de Física Gravitacional da Universidade Nacional Australiana.

Vídeo: https://youtu.be/Zt8Z_uzG71o
Como seria o fenómeno, se pudesse ser visto de perto.

Fonte da notícia: https://www.ligo.caltech.edu/news/ligo20160211