Não há cavernas de grandes dimensões no interior do cometa da Rosetta

2016-02-04

Imagens de cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko obtidas pela câmara da Rosetta, entre agosto e novembro de 2014. Em cima, da esquerda para a direita: o cometa a 6 de agosto de 2014, a uma distância de 96 km; a 14 de agosto, a uma distância de 100 km; a 22 de agosto, a uma distância de 64 km; a 14 de setembro, a uma distância de 30 km. Em baixo, da esquerda para a direita: o cometa a 24 de Setembro, a uma distância de 28 km; a 24 de outubro, a uma distância de 10 km; a 26 de Outubro, a uma distância de 8 km; a 6 de novembro, a uma distância de 30 km. Crédito: ESA/Rosetta/NavCam.
Não há cavernas de grandes dimensões no interior do cometa
cometa
Os cometas são pequenos corpos irregulares, compostos por gelos (de água e outros) e poeiras. Os cometas têm órbitas de grande excentricidade à volta do Sol. As estruturas mais importantes dos cometas são o núcleo, a cabeleira e as caudas.
67P/Churyumov-Gerasimenko. A missão Rosetta, da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
, fez medições que o demonstram claramente e que resolvem um mistério de longa data.

Os cometas são os restos gelados que sobraram da formação dos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
, há 4,6 mil milhões de anos. Oito cometas, no total, foram já visitados por sondas e, graças a estas missões, construímos uma imagem das propriedades básicas destas cápsulas cósmicas do tempo. Enquanto se foram descobrindo respostas para algumas perguntas, outras surgiram.

Sabe-se que os cometas são uma mistura de poeiras e gelo, e que se forem totalmente compactos, serão mais pesados que a água. No entanto, as medições anteriores demonstraram que alguns têm densidades extremamente baixas, muito mais baixas que a do gelo de água. A baixa densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
implica que os cometas deverão ser altamente porosos.

Mas será que a porosidade se relaciona com a existência de enormes cavernas ocas no interior dos cometa ou terá a ver com uma estrutura de baixa densidade mais homogénea?

Um novo estudo, publicado na edição desta semana da revista Nature, e levado a cabo por uma equipa liderada por Martin Pätzold, do Rheinische Institut für Umweltforschung an der Universität zu Köln, Alemanha, mostra que o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é também um objeto de baixa densidade mas que não possui um interior cavernoso.

Este resultado vai ao encontro de resultados anteriores do instrumento radar CONCERT da Rosetta que mostram que a cabeça com lobo duplo do cometa é bastante homogénea em escalas espaciais de algumas dezenas de metros.

A explicação mais plausível é a de que a porosidade do cometa seja uma propriedade intrínseca das partículas de poeira misturadas com o gelo que formam o interior. De facto, medições anteriores tinham mostrado que a poeira dos cometas não é tipicamente um sólido compactado, mas sim um agregado "macio" de elevada porosidade e fraca densidade, e os instrumentos COSIMA e GIADA da Rosetta mostraram que este mesmo tipo de grãos de poeira se encontra em 67P/Churyumov-Gerasimenko.

A equipa de Pätzold fez a descoberta usando o RSI (Radio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
Science Experiment
) para estudar a forma como a sonda Rosetta é guiada pela gravidade do cometa, gerada pela sua massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
.

O efeito da gravidade sobre o movimento da Rosetta é medido pelas alterações na frequência
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
dos sinais da sonda quando são recebidos em Terra. É uma manifestação do efeito Doppler, que acontece sempre que uma fonte se move em relação ao observador.

Neste caso, a Rosetta estava a ser puxada pela gravidade do cometa, o que alterou a frequência da ligação de rádio à Terra. A antena de 35 metros da ESA, na estação New Norcia, na Austrália, é usada para comunicar com a Rosetta durante as operações de rotina. As variações nos sinais recebidos foram analisadas para se obter uma imagem do campo gravítico do cometa. A existência de grandes cavernas internas teria sido assinalada por uma diminuição na aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
.

A missão Rosetta, da ESA, é a primeira a realizar esta complicada medição num cometa.

"Segundo a lei da gravidade de Newton, a sonda Rosetta é basicamente atraída por tudo", disse Martin Pätzold, investigador principal do RSI. "Em termos práticos, isto significa que tivemos que retirar a influência, sobre o movimento da Rosetta, do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e de todos os planetas – do gigante Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
aos planetas anões - bem como dos grandes asteroides da cintura interior de asteroides, para deixarmos apenas a influência do cometa. Felizmente, estes efeitos são bem conhecidos, e é hoje um procedimento comum nas operações da sonda."

Em seguida, tiveram de ser subtraídas a pressão da radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
solar e da cauda de gás que se escapa do cometa. Ambas desviam a sonda do seu curso. O instrumento ROSINA permitiu a Pätzold e à sua equipa calcularem e removerem estes efeitos.

O movimento que sobra é devido a massa do cometa. Para 67P/Churyumov-Gerasimenko obteve-se uma massa ligeiramente inferior a 10 mil milhões de toneladas
tonelada (t)
A tonelada (t) é uma unidade de massa equivalente a 1000 kg.
. As imagens da câmara OSIRIS foram usadas para desenvolver modelos da forma do cometa e permitiram obter um volume de aproximadamente 18,7 km3, o que significa que a densidade é de 533kg/m3.

Obter detalhes do interior só foi possível graças à sorte.

Devido a pouco se saber sobre a atividade do cometa, foi projetada uma trajetória de abordagem cautelosa, de modo a garantir a segurança da sonda e que, mesmo no melhor cenário, levaria a Rosetta a uma aproximação nunca abaixo dos 10 km.

Antes de 2014, e tendo por base observações terrestres que sugeriam que o cometa tinha forma redonda, a equipa do RSI previu que precisava de uma aproximação abaixo dos 10 km para medir a distribuição interna do cometa. A 10 km ou acima dessa distância, apenas se poderia medir a massa total. Mas, à medida que a Rosetta se aproximava, foi revelada a forma estranha do cometa. Afortunadamente para o RSI, a estrutura de dois lobos significava que as diferenças no campo gravítico seriam muito mais pronunciadas e, como tal, mais fáceis de medir ao longe.

"Já estávamos a ver variações no campo gravítico a 30 km de distância", disse Pätzold.

Quando a Rosetta atingiu a órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
dos 10 km, o RSI foi capaz de obter medições detalhadas, dando à equipa uma elevada confiança nos resultados e levando-a a acreditar que poderão ser ainda melhores.

Em Setembro, a Rosetta será guiada para um impacto controlado na superfície do cometa. A manobra será um desafio único para os especialistas em dinâmica de voo do ESOC (Centro Europeu de Operações Espaciais), da ESA, em Darmstadt, Alemanha. À medida que a Rosetta for ficando cada vez mais perto, o complexo campo de gravidade do cometa irá tornar a navegação mais difícil. Mas as medidas do RSI serão mais precisas, o que irá permitir à equipa verificar se existem ou não cavernas com apenas algumas centenas de metros de diâmetro.

Fonte da notícia: http://www.esa.int/Our_Activities/Space_Science/Rosetta/Inside_Rosetta_s_comet