O coração impetuoso da Via Láctea

2015-08-21

Em cima: As regiões centrais da Via Láctea, vistas em raios-X pelo observatório XMM-Newton, da ESA. A imagem combina dados recolhidos em energias de 0,5 a 2 keV (vermelho), 2 a 4,5 keV (verde) e 4,5 a 12 keV (azul). Abrange cerca de 2,5º no céu, o que equivale a aproximadamente mil anos-luz. Crédito: ESA/XMM-Newton/G. Ponti et al. 2015. Em baixo: As regiões centrais da Via Láctea, vistas em raios-X pelo observatório XMM-Newton da ESA. Esta imagem combina dados recolhidos em energias que correspondem à luz emitida por elementos pesados, tais como o silício e o árgon (que são produzidos principalmente em supernovas), bem como em outras bandas mais estreitas. Abrange cerca de 2,5º no céu, o que equivale a aproximadamente mil anos-luz. Crédito: ESA/XMM-Newton/G. Ponti et al. 2015.
Há uma nova imagem que mostra poderosos remanescentes de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
mortas e a sua forte ação sobre o gás circundante e que revela alguns dos os processos mais intensos que ocorrem no centro da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. A imagem foi obtida graças ao observatório de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
, da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
, e pertence a um trabalho liderado pelo Dr. Gabriele Ponti e publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

As fontes brilhantes, semelhantes a pontos, que se destacam na imagem indicam sistemas estelares binários em que uma das estrelas chegou ao final da sua vida, evoluindo para um objeto compacto e denso - uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
ou um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
. Devido às suas altas densidades, estes remanescentes compactos devoram massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
da estrela companheira, aquecendo o material e fazendo-o brilhar em raios-X.

A região central da nossa Galáxia contém também estrelas jovens e enxames estelares, e alguns são visíveis como fontes brancas ou vermelhas espalhadas pela imagem, que se estende por cerca de mil anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
.

A maior parte da ação está a ocorrer no centro, onde nuvens difusas de gás estão a ser esculpidas por fortes ventos soprados por estrelas jovens, bem como por supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
.

O buraco negro de enorme massa no centro da Galáxia é também responsável por parte desta ação. Conhecido por Sagitário A*, este buraco negro tem uma massa milhões de vezes superior à do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e está localizado dentro da fonte brilhante e difusa, para a direita do centro da imagem.

Embora os buracos negros em si não emitam luz, a sua imensa força gravitacional atrai a matéria circundante que, no processo, emite luz em vários comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
, principalmente em raios-X. Podem ainda ser vistos dois lobos de gás quente que se prolongam para cima e para baixo do buraco negro.

Os astrónomos acreditam que estes lobos podem ser provocados, ou diretamente, pelo buraco negro, que engole parte do material que flui na sua direção mas vomita a maior parte dele, ou então pelo efeito cumulativo dos inúmeros ventos estelares e explosões de supernovas que ocorrem neste ambiente tão denso.

Esta imagem, que nos mostra um panorama sem precedentes do núcleo energético da Via Láctea, foi conseguida através da compilação de todas as observações desta região realizadas com o XMM-Newton, somando no total cerca de mês e meio de exposição.

A grande estrutura elíptica para a direita e para baixo de Sagitário A* é uma super-bolha de gás quente, provavelmente inflada pelos remanescentes de várias supernovas no seu centro. Embora esta estrutura já fosse conhecida pelos astrónomos, este estudo confirmou pela primeira vez que consiste numa única bolha gigante, e não na sobreposição de vários remanescentes individuais ao longo da nossa linha de visão.

Outra grande bolsa de gás quente, designada por “Bolha de Arco”, devido à sua forma de lua crescente, pode ser vista perto do centro da imagem, para baixo e para a esquerda do gigantesco buraco negro. A bolsa está a ser inflada pelos ventos fortes de estrelas de um enxame próximo e também por supernovas; o remanescente de uma dessas explosões, um candidato a nebulosa
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
de vento de pulsar, foi detetado no núcleo da bolha.

O rico conjunto de dados compilados neste estudo contém observações que abrangem toda a gama de energias de raios-X coberta pelo XMM-Newton; inclui algumas energias que correspondem à luz emitida por elementos pesados, tais como o silício, o enxofre e o árgon, que são produzidos principalmente em supernovas. Combinando estas informações adicionais presentes nos dados, os astrónomos obtiveram uma imagem complementar do Centro Galáctico, que revela bem os lobos e as bolhas descritos anteriormente.

Esta imagem alternativa também exibe a emissão, embora muito fraca, proveniente de plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
quente, nas zonas superior e inferior da imagem. Este plasma quente pode ser o efeito macroscópico coletivo de fluxos gerados pela formação de estrelas ao longo de toda esta zona central.

Outra das possíveis explicações para esta emissão relaciona-a com o turbulento passado do enorme buraco negro, agora não tão ativo. Os astrónomos acreditam que, no início da história da Via Láctea, Sagitário A* reunia e ejetava massa a uma taxa muito mais elevada, tal como os buracos negros que encontramos no centro de muitas galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
, e estas nuvens difusas de plasma quente podem ser um legado da sua antiga atividade.

Fonte da notícia: http://www.ras.org.uk/news-and-press/2701-the-tumultuous-heart-of-our-galaxy