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O jogo de palavras chamado Planetas
2008-03-09
Conjunção entre Vénus e Júpiter, Setembro de 2005. Crédito: CdA/UAA/R.Alexandre.
Actualmente a Terra é um planeta, mas nem sempre o foi. Isto é compreensível, pois ao contrário dos outros planetas, não conseguiamos olhar para o nosso até há meio século atrás. Somente as viagens para Lua permitiram ver a Terra à distância e confirmar a sua semelhança ou não com os demais planetas que conhecemos.
Quanto aos outros planetas, para os observar condignamente é preciso um telescópio de boa qualidade e com uma abertura (diâmetro da objectiva) considerável.
Porém, devidamente equipado, observar os anéis de Saturno, seguir os movimentos das nuvens em Júpiter, acompanhar as fases de Mercúrio ou Vénus, decifrar pormenores na face de Marte ou simplesmente resolver na ocular os discos planetários de Úrano ou Neptuno traz sensações tão fascinantes e vistas únicas como não há igual em todo o mundo.
Mas a presente sequência de crónicas pretende ficar pelas coisas observáveis a olho nu, com binóculo ou telescópio rudimentar. Nisso os planetas são algo limitados. Telescópios mesmo pequenos mostram no máximo as luas e com sorte as bandas de nuvens equatoriais de Júpiter, um toque de anéis em Saturno (excepto em 2008/09) e talvez as fases em torno de Vénus novo (lê-se como Lua nova) pouco antes ou após a sua conjunção inferior.
Com olho nu e binóculo podemos seguir o movimento aparente dos planetas em relação às estrelas de fundo. Isto é uma actividade que praticamente não ocupa tempo nenhum. Basta uma vez identificar os planetas actualmente visíveis através de um dos mapas mensais nas revistas ou na Internet e olhar para onde eles estão, memorizar ou. melhor apontar a sua posição em relação as estrelas circundantes e repetir isso a um nível semanal e ou sempre que seja possível ou sensato.
Os planetas orbitam em torno do Sol e como tal, mesmo se a Terra fosse totalmente estática, estes iam avançar na esfera celeste em função da velocidade com que progridem na sua órbita. Mas a Terra não é fixa, também revolve em torno do Sol. Conforme o nosso ponto na órbita vemos os planetas ao longo do ano projectadas sobre posições ligeiramente diferentes na esfera celeste. Os planetas avançam ou recuam no céu como veículos numa auto-estrada os quais ultrapassamos ou que nos ultrapassam.
O planeta Vénus é de certo modo o planeta que mais se faz notar neste movimento peculiar. Mercúrio é ainda mais veloz, mas difícil de observar por se encontrar tão perto do Sol. Marte também progride bastante entre as estrelas ao longo de poucas semanas, especialmente em torno da sua oposição (quando a Terra se encontra sobre a linha entre Sol e Marte).
Este movimento aparente/real dos planetas não é apenas a base para uma actividade de observação interessante e extremamente simples, que aqui fica sugerida. É também o culpado dos sérios desentendimentos e dores de cabeça entre antigos filósofos, matemáticos, astrónomos, além de ser motivo para troçar da astronomia como ciência exacta, pois no que respeita aos planetas, há consideráveis inexactidões envolvidas.
Uma mesa é uma mesa e pronto
É verdade, ao longo dos tempos, algumas palavras mudam de sentido ou o seu significado. Porém, a palavra mesa não consta nessa lista. Por outro lado, a palavra astronomia é uma delas, pois antigamente abrangia tanto a Astronomia como a Astrologia. Mas isto foi uma mudança ligeira, um refinamento do conceito. De todas as palavras, aquela que provavelmente é inigualável nas suas numerosas mutações de significado é planeta.
Planeta Vénus observado através de um pequeno telescópio.
A abóbada celeste leva as estrelas a um passeio diário em torno do nosso ponto de observação, mas as posições das estrelas entre si parecem eternamente fixas e imutáveis.
Todavia, além do movimento próprio da Lua e do Sol, há excepções. Já os povos do início da história humana conheciam estas estrelas ambulantes, ou estrelas "errantes" (πλανήτης ἀστέρες = planetes asteres) como os povos helénicos da antiguidade as chamaram.
As designações Estrela da Manhã e Estrela da Tarde, ainda hoje aplicadas no nosso idioma, remontam aos tempos dos observadores gregos mais de meio milénio antes da nossa Era. Para os povos antigos tratava-se de astros facilmente observáveis cujo movimento próprio era e é detectável num espaço de tempo de poucos dias ou semanas.
Inicialmente nem os gregos sabiam que a estrela da Manhã e estrela da Tarde eram o mesmo objecto (Vénus), e ainda menos sabiam que não se tratava de uma estrela verdadeira. Portanto, para os antigos gregos, os planetas eram estrelas normais, apenas com a particularidade de se deslocarem na esfera celeste de forma diferente das outras. Como a Lua e o Sol também tinham movimento próprio na esfera celeste, estes evidentemente tinham também ser incluídos no rol dos planetas.
Portanto, a palavra planeta provém dos gregos, mas não eram os gregos que mais sabiam deles. Os povos da Mesopotâmia, isto é, Sumérios, Assírios e depois os Babilónios sempre tiveram um apego peculiar a estes astros ambulantes e, para além disso, desenvolvido um conhecimento astronómico bastante avançado.
Os gregos simplesmente limitaram-se a copiar e assumir este conhecimento e desenvolveram dai as suas teorias, entre as quais o sistema geocêntrico, em que todos os planetas giram em torno da Terra.
Perante a definição antiga de planeta, a nossa própria Terra não era obviamente considerado um planeta.
Planeta Marte observado através de um pequeno telescópio.
Muito antes dos povos helénicos, os Sumérios e os povos que os seguiram no tempo associaram os astros em movimento, por falta de melhor explicação, aos seus deuses. A estrela da Tarde, por exemplo, era a deusa do amor e da maternidade Ishtar. Os Sumérios foram também o primeiro povo que desenvolveu uma escrita funcional, e fizeram exaustivo uso disso. Enfim, já que as estrelas ambulantes eram associados aos deuses, ou emissários dos deuses, podendo influenciar a vida de todos, convinha manter um olho atento e um registo fiel do que estes andavam a tramar lá em cima no céu.
O lema, homem prevenido vale por dois, certamente já existia nesses tempos.
A tábua de Ammisduqa no Museu Britânico em Londres, cujo conteúdo foi compilado e gravado pelos escribas dos templos de Anu e Enlil, dois deuses locais, há sensivelmente mais de 3 mil anos, contém décadas e mais décadas dos tempos de nascer de Vénus, acrescido por previsões quanto ao estado das coisas do mundo dos mortais. Aqui fica um exemplo: "No segundo dia, do primeiro mês, Vénus aparece no este; o país irá estar de luto..."
Como se pode ver, astronomia e astrologia sempre andaram de mãos dadas. A separação definitiva só se verificou há pouco mais de 2 séculos.
Os gregos assumiram o conhecimento dos povos da Mesopotâmia e com isto também a associação dos planetas às divindades. Ishtar dos Babilónios era Afrodite para os gregos, Nergal, o deus da guerra dos Babilónios encontrou a sua equivalência grega em Ares. E assim sucessivamente para todos os planetas (Sol-Helios e Lua-Selene incluídos). Os gregos modernos continuam chamar os planetas pelo seus nomes ancestrais. A grande parte do resto do mundo moderno recorre aos nomes latinos desses deuses, Vénus e Marte no caso dos dois anteriores.
Ao todo cinco pontos luminosos, mais Lua e Sol, perfaziam sete planetas. A divisão da semana em sete dias, e atribuindo um dia a cada divindade, é um remanescente da visão do mundo dos Babilónios e da superstição dos Romanos. Os nomes dos dias da semana em muitos idiomas europeus ainda reflectem isso.
Planeta Júpiter observado através de um pequeno telescópio.
O tempo foi passando e com ele as civilizações de destaque. Os Babilónios cederam aos Gregos, os gregos definharam perante o Império Romano e os romanos sucumbiram nas suas orgias, ao seu bel prazer e ao dos seus invasores, a história da humanidade avançou maioritariamente à paulada, e o conhecimento astronómico....bem, esse estagnou.
Parece incrível, mas ao longo de milénio e meio, a visão sobre os planetas, e nisso também a palavra planeta, não mudaram nem um bocadinho.
Somente no século XVII com a formulação do sistema Coperniciano, ou sistema heliocêntrico, segundo o qual os planetas giram em torno do Sol, e após as observações com telescópio por Galileu, começou formar-se um conceito novo de planeta.
Após Kepler ter publicado as suas leis sobre as órbitas e movimentos dos planetas, a situação mudou gradualmente e por completo. Doravante, a nossa querida Terra passou definitivamente ao estatuto de planeta. A Lua foi despromovida a satélite natural da Terra, girando em torno dela tal como faziam e fazem as luas em Júpiter observadas por Galileu.
Foi nestes tempos iniciais, quando a astronomia moderna começou os seus primeiros passos, que o Sol passou gradualmente a ser visto como uma estrela, e os planetas encarados como corpos que girem em torno dele.
De sete planetas (lê-se: estrelas ambulantes) da antiguidade passou-se para seis planetas, a Terra incluída.
Saco cheio de planetas
Em 1781 foi descoberto Úrano, o Sistema Solar cresceu para sete planetas.
Mas os astrónomos não estavam contentes. Entre as órbitas de Marte e de Júpiter reinava um grande vazio, espaço suficiente para acolher a órbita de outro planeta. A busca do planeta perdido foi intensa e finalmente bem sucedida no primeiro dia de 1801.
O novo planeta entrou nos livros com o nome de Ceres e ai ficou durante mais de 50 anos. 50 anos que permitiram descobrir mais planetas como Pallas, Juno e Vesta, por sinal, planetas que ninguém esperava encontrar, pois partilham de certo modo a mesma órbita de Ceres. Também durante estes 50 anos, precisamente em 1846, foi a vez da descoberta do planeta Neptuno.
O Sistema Solar estava rico, um bando de doze planetas pululava em torno do Sol.
Mesmo assim, ainda se suspeitou da existência de dois outros planetas, que eram necessários para justificar os desvios das posições orbitais de Mercúrio por um lado e de Úrano e Neptuno por outro. Por isso, esperava-se encontrar um planeta entre o Sol e Mercúrio, ao qual, antecipadamente foi atribuído o nome, Vulcano. Este planeta hipotético nunca foi encontrado.
Depois de Neptuno foram descobertos ainda inúmeros outros planetas nas mesmas bandas das órbitas de Ceres, Pallas, Juno e Vesta. Já se sabia, que estes quatro planetas eram bastante pequenos, minúsculos em comparação com os planetas clássicos. Isto fez os astrónomos de então reconsiderar o estatuto desses astros. Desde a segunda metade do século XIX o meio científico e os livros despromoveram Ceres e os seus companheiros vizinhos para planetas menores e posteriormente para asteróides.
A contagem dos planetas do Sistema Solar oscilou outra vez e desceu para 8.
Em 1930 foi finalmente encontrado o planeta cuja existência já era esperada há quase cem anos. O hipotético planeta X (x de incógnito, não X do numeral romano) ficou conhecido por Plutão.
Planeta Saturno observado através de um pequeno telescópio.
Mais uma vez os livros tinham de ser actualizados. Nove planetas, uma estrela e algumas largas centenas de asteróides, ou planetas menores, e ainda os fugazes cometas, perfaziam o inventário permanente do Sistema Solar e trabalho de memorização dos alunos de todas as escolas do mundo.
Assim ficou até o fim do século, e podia ter assim ficado, se não fossem os rastreios fotográficos pormenorizados do céu, que trouxeram à baila um punhado cheio de objectos dentro das fronteiras do Sistema Solar mas bem além da órbita de Plutão.
Da mesma forma como há quase 200 anos atrás Ceres demonstrou-se pouco significante em tamanho e efectivamente não o único objecto da sua categoria, Plutão passou por uma fase de despromoção em queda vertiginosa. Primeiro deixou de ser o último e único objecto além da órbita de Neptuno, e depois nem se quer era o maior deles, e por fim, deixou de ser planeta.
A astronomia é uma ciência exacta, e como tal, todos aqueles novos objectos recém-descobertos tinham de certa forma entrar na lista dos planetas. Mas como mundos que em nada se assemelham aos planetas clássicos podiam figurar de igual por igual ao lado de Júpiter, Marte ou a Terra?
Desde 2006 não podem, pois a International Astronomical Union (IAU) adoptou uma resolução que redefine mais uma vez o conceito de planeta (www.iau.org/iau0603.414.0.html).
Segundo esta nova definição ficamos outra vez com apenas 8 planetas (de Mercúrio até Neptuno). Plutão despromovido é agora um planeta anão, portanto não um planeta a sério com direito a subsídio e novos projectos de exploração, mas pertencente a uma nova categoria, fazendo companhia a Ceres, promovido a planeta anão, e Eris, um mundo descoberto bem além da órbita de Plutão. Mais de 40 outros objectos ainda esperam levar o carimbo de planeta anão no futuro próximo.
Por entre os astrónomos cientificamente interessados no Sistema Solar reina uma discórdia considerável quanto a esta nova definição da palavra e do conceito de planeta. Uns defendem que a Terra ou Júpiter não satisfazem plenamente o novo critério de planeta. Outros acham que agora está tudo como deve ser, talvez mal formulado, mas ao menos bem categorizado. Ainda outros querem ver a glória de Plutão restaurada. E por fim há ainda aqueles, que não acham nada de errado se o Sistema Solar contasse com 50 planetas ou mais de todos os tamanhos e feitios.
Planeta, a palavra gelatina, o I-Ching da Astronomia
De algo que caminha entre as estrelas, os planetas passaram para algo que orbita o nosso Sol e incluíam a Terra. Inicialmente uma mão cheia deles, passaram a contar uma dúzia e quase chegaram a ser duas dezenas, para acabar de contar apenas oito. Actualmente um planeta é algo que não pode ser descrito com palavras simples, sem alguns desvios e explicações esclarecedores sobre o que é um estado hidrostático equilibrado e uma limpeza dos arredores (entende-se arredores orbitais).
A palavra planeta mudou várias vezes o tipo de objecto e a quantidade numérica. Perante a discórdia acerca da actual definição, pode-se prever uma eventual readaptação desta definição, a qual pode levar a uma nova contagem dos objectos abrangidos.
Considerando que os planetas (ex-planetas, planetas e futuros planetas) já lá estão há milhares de milhões de anos, é de certo modo espantoso que ainda não tenhamos conseguido um consenso quanto ao que se trata.
Não deve existir nenhum registo sobre a data de invenção da mesa, mas desde que existe sempre foi uma mesa.