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"Não chega ter uma boa mente. O mais importante é usá-la bem."
- René Descartes


Um Cosmo às Escuras

2006-04-06
Que o Universo está em expansão já não é mais uma novidade: desde 1929, a partir do trabalho do astrônomo americano Edwin Hubble, sabe-se que as galáxias, na sua maioria, afastam-se uma das outras com velocidades que aumentam com sua separação. Ou seja, quanto mais longe de um certo ponto no cosmo (por exemplo, da Terra), mais rápido a galáxia se afasta. Uma imagem usada é a de um bolo de passas (com muito fermento!). Quando o bolo é cozinhado, as passas afastam-se umas das outras. Nesta analogia, as passas são as galáxias. Após milênios adormecido em um estado estático, o Universo tornou-se plástico, dinâmico, em constante transformação.

Tudo andava bem até 1998, quando um novo efeito foi descoberto: não só o Universo está em expansão, mas esta expansão é bem mais rápida do que imaginávamos. A expansão original pode ser compreendida como conseqüência do estado inicial do cosmo. Segundo o modelo do Big Bang, que descreve quantitativamente (e isso é muito importante) a história cósmica, o Universo surgiu de um estado inicial onde a matéria e a radiação estavam sujeitas à altíssimas pressões e temperaturas. Como todo mundo que já usou uma panela pressão sabe (melhor ainda, que já viu uma explodir), matéria muito quente e densa gosta de expandir. Portanto, a mola por trás da expansão do Universo é a descontração da matéria e radiação à partir desse estado inicial ultra denso. Por outro lado, matéria e energia atraem-se gravitacionalmente. Esta atração tende a frear a expansão cósmica, criando um cabo-de-guerra entre expansão e contração.

A descoberta de 1998 tornou as coisas mais complicadas. Se o Universo está em expansão acelerada, algo tem que estar empurrando a matéria para longe, o oposto do efeito atrativo da força da gravidade. Uma espécie de repulsão cósmica parece estar forçando a expansão acelerada. Mas que repulsão cósmica é essa? Qual mecanismo físico pode causar esse efeito? Na falta de uma explicação, podemos ao menos dar nome ao bicho: a expansão acelerada do Universo é causada pela “energia escura”. Escura porque não é visível, energia por que supre a expansão.

Até o momento, dois candidatos para a matéria escura vêm recebendo muito atenção dos cosmólogos. Um deles é a famosa “constante cosmológica”, nome dado a um termo que pode ser adicionado às equações que descrevem a expansão do Universo e que é responsável justamente pela expansão acelerada. A origem dessa constante é bem sutil: pode ser causada por minúsculas flutuações de energia que ocorrem no vácuo. Uma das lições da física dos átomos e das partículas subatômicas é que não existe espaço vazio: flutuações estão sempre presentes. O interessante é que, em média, elas dão uma contribuição constante à energia total do Universo. Esta contribuição pode causar a aceleração observada. O difícil aqui é entender por que tem o valor observado e não outro qualquer.

O outro candidato é um novo tipo de matéria exótica – chamada quintessência, feito o éter de Aristóteles – capaz de produzir a energia que nutre a expansão. A diferença é que a quintessência muda no tempo, pode ser atraída gravitacionalmente por outra matéria, enquanto que a energia do vácuo é sempre constante. Em princípio, se astrônomos puderem observar regiões do Universo em tempos diferentes, poderão determinar se a energia escura muda no tempo. Propostas recentes têm sido criticadas. No meio tempo, permanece o mistério, a mola por trás da expansão do conhecimento.


Marcelo Gleiser é professor catedrático de física e astronomia no Dartmouth College, EUA e autor, mais recentemente, do livro "O Fim da Terra e do Céu". Esta crónica foi inicialmente publicada em 29 de Janeiro de 2006 na “Folha de S. Paulo”.