AVISO
Imagem do Dia
Sagitário A* no centro da Via Láctea
Ditos
"A única forma de descobrir os limites do possível é atingir o impossível."- Arthur C. Clarke
Tempestades Solares
2005-12-01
Na primavera de 1613, o italiano Galileu Galilei em seu História e demonstração sobre as manchas solares, argumentou que as manchas vistas no Sol estavam localizadas sobre a sua superfície. Um ponto de vista alternativo, defendido pelo astrônomo jesuíta padre Scheiner, dizia que as manchas solares eram pequenos planetas orbitando o Sol. Scheiner, treinado na doutrina aristotélica, não podia aceitar que um objeto celeste tivesse qualquer tipo de imperfeição. Segundo Aristóteles, todos os objetos celestes eram feitos de éter – a quintessência – sendo, portanto, perfeitos. Venceu Galileu, após humilhar bastante o seu oponente, como era o seu estilo. O que não sabia é que as manchas solares têm dimensões maiores do que a Terra e representam uma medida de atividade magnética na superfície solar. Hoje, sabemos que o Sol apresenta ciclos de atividade de duração de onze anos, onde o número de pares de manchas solares aumenta durante o pico dos ciclos, indicando o borbulhar magnético do astro-rei. Esta atividade tem sérias implicações para a Terra.
No dia 14 de julho de 2000, cientistas no Centro Meio-Ambiental Espacial em Boulder, no Colorado, monitorando o satélite espacial GOES-8, detectaram uma emissão violenta de raios X emitida por uma região do Sol que, durante os dias precedentes, havia demonstrado alta atividade. Os raios X acusavam a formação de uma gigantesca centelha, emitindo energia equivalente a bilhões de megatoneladas de TNT em minutos: literalmente, uma explosão apocalíptica na superfície do Sol. Outro satélite, SOHO, também detectou a centelha em sua órbita a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, um décimo da distância até o Sol. Após meia hora, SOHO detectou outro fenômeno, de proporções assustadoras: a ejeção de uma bolha de bilhões de toneladas de plasma, partículas eletricamente carregadas. Destino: Terra.
A bolha, um exemplo de Ejeção de Massa Coronal (do inglês Coronal Mass Ejection ou CME), viajando a 1700 quilômetros por segundo, chegou aqui 25 horas mais tarde. Ao passar pelo SOHO, a bolha provocou pane em seus instrumentos, desligando-os temporariamente. Em apenas um dia suas células solares sofreram danos equivalentes a um ano. Um satélite japonês foi perdido. Outros tiveram seus instrumentos de detecção e transmissão de dados permanentemente arruinados. Em outubro de 2003, uma tempestade solar emitiu outra massa coronal gigantesca. Essa eu mesmo vi, ao menos uma de suas consequências, do jardim da minha casa: as partículas de plasma, ao se chocarem com a atmosfera terrestre, provocaram uma belíssima aurora boreal, cortinas de luz oscilando no céu em tons de vermelho e laranja. Uma das (poucas) vantagens de se morar em latitudes altas.
A conexão Terra-Sol tem uma importância que vai além das belas auroras. As partículas solares, altamente energéticas, são afuniladas pelo campo magnético terrestre, concentrando-se principalmente nos pólos. Caso a Terra não tivesse um campo magnético, nosso casulo, não poderíamos sobreviver à radiação. De fato, durante tempestades solares, astronautas da Estação Espacial têm de procurar abrigo em partes da espaçonave com proteção extra. Imagine o Sol e a Terra como duas bolas ligadas por elásticos. Estes elásticos são as linhas de campo magnético, que gosto de visualizar como um cordão umbilical unindo-nos ao astro que nos mantém vivos. As bolhas de plasma seguem essas linhas como se fossem trilhos, juntamente com as partículas que formam o vento solar, a emissão normal proveniente do Sol, composta principalmente por prótons. A maior pressão durante uma tempestade solar modifica o campo magnético terrestre, diminuindo sua eficiência. Partículas carregadas colidem com satélites provocando faíscas e danificando os seus instrumentos. Mais ainda, as tempestades aquecem a atmosfera, fazendo-a dilatar. Isto causa um aumento no atrito que pode levar à queda dos satélites em órbitas mais elevadas.
A vida moderna depende crucialmente de satélites: transações bancárias, GPS, telefonia celular, telecomunicações…A conexão Terra-Sol representa mais um lembrete que não devemos esquecer de nossos vizinhos cósmicos.
Marcelo Gleiser é professor catedrático de física e astronomia no Dartmouth College, EUA e autor, mais recentemente, do livro "O Fim da Terra e do Céu". Esta crónica foi inicialmente publicada em 17 de Outubro de 2004 na “Folha de S. Paulo”.
No dia 14 de julho de 2000, cientistas no Centro Meio-Ambiental Espacial em Boulder, no Colorado, monitorando o satélite espacial GOES-8, detectaram uma emissão violenta de raios X emitida por uma região do Sol que, durante os dias precedentes, havia demonstrado alta atividade. Os raios X acusavam a formação de uma gigantesca centelha, emitindo energia equivalente a bilhões de megatoneladas de TNT em minutos: literalmente, uma explosão apocalíptica na superfície do Sol. Outro satélite, SOHO, também detectou a centelha em sua órbita a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, um décimo da distância até o Sol. Após meia hora, SOHO detectou outro fenômeno, de proporções assustadoras: a ejeção de uma bolha de bilhões de toneladas de plasma, partículas eletricamente carregadas. Destino: Terra.
A bolha, um exemplo de Ejeção de Massa Coronal (do inglês Coronal Mass Ejection ou CME), viajando a 1700 quilômetros por segundo, chegou aqui 25 horas mais tarde. Ao passar pelo SOHO, a bolha provocou pane em seus instrumentos, desligando-os temporariamente. Em apenas um dia suas células solares sofreram danos equivalentes a um ano. Um satélite japonês foi perdido. Outros tiveram seus instrumentos de detecção e transmissão de dados permanentemente arruinados. Em outubro de 2003, uma tempestade solar emitiu outra massa coronal gigantesca. Essa eu mesmo vi, ao menos uma de suas consequências, do jardim da minha casa: as partículas de plasma, ao se chocarem com a atmosfera terrestre, provocaram uma belíssima aurora boreal, cortinas de luz oscilando no céu em tons de vermelho e laranja. Uma das (poucas) vantagens de se morar em latitudes altas.
A conexão Terra-Sol tem uma importância que vai além das belas auroras. As partículas solares, altamente energéticas, são afuniladas pelo campo magnético terrestre, concentrando-se principalmente nos pólos. Caso a Terra não tivesse um campo magnético, nosso casulo, não poderíamos sobreviver à radiação. De fato, durante tempestades solares, astronautas da Estação Espacial têm de procurar abrigo em partes da espaçonave com proteção extra. Imagine o Sol e a Terra como duas bolas ligadas por elásticos. Estes elásticos são as linhas de campo magnético, que gosto de visualizar como um cordão umbilical unindo-nos ao astro que nos mantém vivos. As bolhas de plasma seguem essas linhas como se fossem trilhos, juntamente com as partículas que formam o vento solar, a emissão normal proveniente do Sol, composta principalmente por prótons. A maior pressão durante uma tempestade solar modifica o campo magnético terrestre, diminuindo sua eficiência. Partículas carregadas colidem com satélites provocando faíscas e danificando os seus instrumentos. Mais ainda, as tempestades aquecem a atmosfera, fazendo-a dilatar. Isto causa um aumento no atrito que pode levar à queda dos satélites em órbitas mais elevadas.
A vida moderna depende crucialmente de satélites: transações bancárias, GPS, telefonia celular, telecomunicações…A conexão Terra-Sol representa mais um lembrete que não devemos esquecer de nossos vizinhos cósmicos.
Marcelo Gleiser é professor catedrático de física e astronomia no Dartmouth College, EUA e autor, mais recentemente, do livro "O Fim da Terra e do Céu". Esta crónica foi inicialmente publicada em 17 de Outubro de 2004 na “Folha de S. Paulo”.