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A Europa a Caminho de Vénus

2005-10-25

Impressão de artista da inserção em órbita da Venus Express. Crédito: ESA / AOES Medialab.
Estava marcado para o dia 26, mas foi adiado por alguns dias, o lançamento da sonda Venus Express, um novo passo da Europa na exploração do Sistema Solar. Como o nome indica, será Vénus, o planeta "gémeo" da Terra, ao mesmo tempo tão radicalmente diferente da nossa esfera azul, o alvo desta missão.

Por trás dela existe uma longa história, que nos leva até ao já longínquo 16 de Novembro de 1996. Nesse dia foi lançada a que foi, até aos dias de hoje, a última grande missão planetária russa, conhecida pela designação Marte 96. Infelizmente, depressa esta sonda regressou ao planeta de origem, mergulhando para sempre nas profundezas do Oceano Pacífico, ao fim de apenas três órbitas em torno da Terra. A maldição marciana, que vinha já dos tempos soviéticos, voltou a prevalecer sobre a tecnologia e o sonho russos. O andar que devia proceder à inserção da sonda na trajectória correcta para alcançar o planeta vermelho nunca funcionou, e a gravidade terrestre cobrou o seu preço...

Esta complexa missão usava uma sonda da "classe" Phobos (nome de outras duas sondas soviéticas perdidas anos antes, a caminho de Marte, claro), de grandes dimensões, destinada a orbitar o planeta; a bordo seguiam dois módulos destinados a separarem-se da nave-mãe e seguirem caminhos próprios até pousarem suavemente na superfície marciana, e ainda dois penetradores, que dariam informações sobre as camadas superficiais do subsolo marciano em duas áreas distintas. Seguiam também vários instrumentos financiados, construídos e operados por instituições científicas europeias. Os seus nomes? HRSC, OMEGA, PFS, SPICAM... Designações que serão familiares para quem acompanha mais de perto a missão Mars Express. Com efeito, foi a perda das versões originais destes instrumentos que criou a pressão necessária para que fosse tomada a decisão de avançar para a primeira missão de exploração planetária realizada pela ESA. A Mars Express ganhou tal nome pela rapidez com que foi decidida, executada e enviada para o seu destino, uma versão europeia do "faster, cheaper, better" americano que parece ter resultado melhor...

Depois da Mars Express, a possibilidade de aproveitar o conceito da missão (e também as peças, e as próprias equipas envolvidas nos diversos aspectos do desenvolvimento da sonda e do "payload") fez surgir no horizonte a Venus Express – primeiro apenas como um sonho de alguns, finalmente como uma realidade que dá o passo decisivo em breve.

Porquê Vénus? Para quem se interessa pela exploração do Sistema Solar, qualquer planeta é um objecto interessante, cada qual com as suas características, quase com a sua personalidade, e com os seus mistérios. E Vénus tem personalidade e mistérios suficientes para alimentar várias carreiras na área da Planetologia...

Comecemos pela atmosfera venusiana, a mais densa do Sistema Solar. Efeito de estufa é o nome do jogo em Vénus. Nos tempos que correm, falar em efeito de estufa desperta imediatamente a atenção, pelas notícias que todos os dias nos lembram o aquecimento global na Terra, e as suas consequências. Compreender a história da atmosfera de Vénus, a sua evolução, o desaparecimento da água, são questões que, à luz do que se passa aqui no terceiro planeta, se revestem de tremenda importância. É esse um dos principais objectivos desta missão, e para o alcançar a Venus Express leva a bordo vários instrumentos capazes de decifrar a dinâmica e a composição desta espessa camada gasosa (que, aliás, impede a obtenção de imagens da superfície do planeta por instrumentos sensíveis aos mesmos comprimentos de onda que o olho humano...). Sem entrar em detalhes técnicos (disponíveis no site da ESA), convém mencionar a presença de espectrómetros com diferentes características, alguns "irmãos" dos instrumentos que neste momento levam a cabo as suas observações a partir da órbita de Marte (PFS e SPICAM – que neste caso se chama SPICAV)... Um outro, chamado VIRTIS (por seu lado "irmão" de um outro instrumento que efectua uma longa viagem no negro do espaço, a bordo da Rosetta, a sonda europeia que tem um encontro marcado com um cometa, lá longe, nas frias paragens em que Júpiter reina), merece aqui maior destaque, já que dois cientistas portugueses estão directamente ligados à análise dos dados que ele fornecerá, e que permitirão investigar detalhadamente a dinâmica e a composição atmosféricas até à altitude de 40 km.

Vénus encerra ainda outros mistérios, estes mais directamente relacionados com a sua evolução geológica (que, porém, não pode ser dissociada do que aconteceu à atmosfera). Vénus é um planeta rochoso, de dimensões muito próximas das da Terra, apenas ligeiramente menos denso. A sua estrutura interna, embora desconhecida, não deve ser muito diferente da do nosso planeta. Porém, Vénus não possui campo magnético próprio. A sua superfície parece ser toda da mesma idade. Duas diferenças fundamentais em relação à Terra, e que constituem ainda interrogações sem resposta. Por isso, a Venus Express tentará também obter pistas sobre a história geológica do planeta, analisando as características da superfície e procurando sinais de actividade vulcânica. Trata-se de, através daquilo que mais facilmente é acessível, procurar dados sobre os processos internos do planeta, complementando a informação que a sonda americana Magellan (uma outra ligação portuguesa ao segundo planeta, já que este não é senão o nome anglo-saxónico para Magalhães, Fernão de nome próprio, que idealizou a primeira viagem de circum-navegação terrestre) nos deixou com o seu radar: uma cobertura global em imagens cuja interpretação dá ainda origem a acesos debates, nomeadamente em relação a algumas estruturas típicas do planeta, e que presumivelmente correspondem a construções vulcânicas.

Dois outros mistérios de Vénus poderão também ser analisados à luz dos novos dados a obter pela Venus Express: a possibilidade, levantada por alguns, de existir vida (microbiana) nas camadas superiores da atmosfera venusiana, e a estranha rotação, lenta e em sentido contrário ao da maioria dos seus "irmãos" do Sistema Solar, do planeta (convém sublinhar aqui que uma explicação física para este facto foi adiantada por uma equipa que engloba um cientista português).

A partir de Abril de 2006, a Venus Express será a primeira sonda a estudar a "estrela da manhã" desde há muitos anos. Portugal, membro da ESA, está também envolvido nesta aventura. Como deve estar.